terça-feira, 31 de março de 2009

"Matrix" faz 10 anos como ícone do cinema de ficção científica

UOL Cinema
Antonio Martín Guirado.

Los Angeles (EUA), 31 mar (EFE).- Além de ganhar quatro Oscar, arrecadar mais de US$ 460 milhões nas bilheterias e ter aberto as portas ao cinema do futuro, "Matrix" representou a simbiose entre espetáculo audiovisual e filosofia, e se tornou todo um fenômeno da ficção científica cuja estreia completa dez anos nesta terça.
Keanu Reeves como Neo em "Matrix": fenômeno da ficção científica
faz dez anos nesta terça (31)

Desde a imagem cibernética do começo, cujas letras e números verdes e desordenados se tornaram, depois, um clássico de protetor de tela para milhares de computadores, até seu emocionante e romântico final, "Matrix" é puro cinema do século 21, apesar de ter estreado em 1999.

No filme, Thomas Anderson (Keanu Reeves), conhecido com Neo, descobre, graças a Morpheus (Laurence Fishburne), um dos mais procurados pelas autoridades na época em que se passa a produção, que o mundo no qual vive é uma ilusão gerada por computador, colocada diante de seus olhos "para esconder a verdade".

Essa "verdade", no filme, é que os seres humanos são escravos das máquinas, que, em determinado momento da história, se rebelaram. Como explica o longa-metragem: "Existem campos intermináveis onde os humanos não nascem. São cultivados".

Enquanto isso, a população vive em uma realidade virtual, a mesma que distrai as mentes humanas -em uma releitura do mito da caverna de Platão -, enquanto os corpos são usados como fonte de energia para manter as máquinas funcionando.
Aí começa a missão, repleta de simbolismo cristão, de Neo - anagrama de "One" ("Um"), o escolhido -, que deve liderar a luta pela liberdade da humanidade, a partir da cidade de Zion, com a ajuda de Trinity (Carrie-Anne Moss).

"Imagino que, agora mesmo, você esteja se sentindo um pouco como Alice. Entrando na toca do coelho?", ironiza em determinado ponto do filme Morpheus, em seu primeiro encontro com Neo.

Esta é uma das ocasiões na produção em que aparece este coquetel de referência a clássicos.

Os irmãos Larry e Andy Wachowski, diretores e roteiristas do filme, rechearam o filme, que possui fãs e críticos ferrenhos, com homenagens às suas produções favoritas no cinema.

Isso é visto nos dilemas sobre inteligência artificial, como em "O Exterminador do Futuro", o aspecto visual, que lembra "Blade Runner - O Caçador de Androides", o parasita que é introduzido no corpo humano, que remete a "Alien - O Oitavo Passageiro", ou a perseguição pelos telhados, como em "Um Corpo que Cai".
"Matrix", que conta com uma trilha sonora à altura e repleto de imaginação, combina as premissas da ficção científica tradicional com uma tecnologia em efeitos especiais nunca vista até então.

Um dos destaques do filme é a técnica "bullet time photography", uma grande desaceleração feita com a ajuda de computadores e que registra até 12 mil quadros por segundo, usada em cenas como a que Neo consegue desviar dos tiros de um dos agentes que o perseguem.

A meio caminho entre um relato futurista de Philip K. Dick e o cinema de artes marciais de Hong Kong, o resultado final da obra dos Wachowski iniciou o debate sobre a convergência cultural, entendida como uma participação muito mais global em suas manifestações.

Em torno da franquia (depois de "Matrix" vieram "Matrix Reloaded" e "Matrix Revolutions", ambos de 2003), foi criado todo um império baseado em histórias em quadrinhos, sites, desenhos animados e videogames, que eram partes fundamentais para compreender todo o universo da saga.
Essas peças do quebra-cabeças, que remetiam umas às outras, criando uma narrativa comum, levavam a história até terrenos não explorados na trilogia, o que fez com que a acolhida aos dois últimos filmes não fosse tão calorosa, já que eles traziam alguns detalhes desconhecidos do grande público.

Quem explica isso é Henry Jenkins, fundador do programa de Estudos Culturais dos Meios do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), no livro "Cultura da Convergência".

"Muitos críticos arrasaram as sequências porque não eram suficientemente lógicas em si mesmas e beiravam a incoerência", acrescentou.

"Você acredita em destino?", "Você acredita que tem o controle de sua vida?", "O que é real?" são algumas das reflexões lançadas pelo primeiro filme ao longo de seus 136 minutos, antes de Neo, já convertido em messias, fale com o espectador e comece a voar, fechando a primeira parte da trilogia.

"(Vou mostrar às pessoas) Um mundo sem regras ou controles, sem fronteiras ou cercas. Um mundo onde tudo é possível. Para onde vamos é uma escolha que deixo para você", afirma o protagonista da saga

domingo, 29 de março de 2009

As estações do corpo

fonte: Revista SUPER INTERESSANTE

Pode ser difícil de perceber, mas, acredite, no verão você é um indivíduo diferente daquele que foi no inverno. As reações emocionais se alteram conforme o clima e a luz do ambiente.
Por Fábio Peixoto

Quem considera o verão a estação da luz e da alegria, e espera ardentemente por ele, está mais perto da ciência do que pensa. Um número cada vez maior de pesquisas está mostrando que a temperatura e a luminosidade afetam diretamente nosso comportamento. Cada vez mais os cientistas estão comprovando que os estados de ânimo sofrem influências sazonais. Um estudo realizado em 1996 pela psiquiatra Helena Calil, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sobre o peso do clima no cotidiano de 750 habitantes da cidade de São Paulo, revelou que para a maioria deles o verão é um bálsamo para o inverno. Quase 50% disseram ter sofrido incômodo físico e psicológico concentrado nos meses mais frios, junho, julho e agosto. Reclamaram de perda de vitalidade, desânimo, mal-estar, melancolia e depressão (veja infográfico abaixo).

Entretanto, férias, viagens e descanso não são as únicas previsões para este verão ensolarado. A violência urbana, infelizmente, vai aumentar. Não se trata de especulação catastrófica, mas de evidência estatística. Uma outra pesquisa, recém-concluída, revela que dezembro é o mês em que ocorre o maior número de ações violentas — como acidentes de trânsito, homicídios, suicídios e agressões. Estranhamente, tanto para a depressão, no inverno, quanto para agressividade, no verão, a causa é a mesma: o sol, ausente ou radiante.

O alerta sobre o verão é do professor Francisco Mendonça, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que comparou, em dez capitais, as variações climáticas e os índices de violência e criminalidade. Mendonça descobriu que, onde o clima tem estações marcantes (em todo o Sul e no Sudeste), o verão é sempre mais violento, enquanto as ocorrências policiais diminuem durante os meses de temperatura baixa. Para o pesquisador, o calor e suas conseqüências, como o aumento do ritmo cardíaco, a elevação da temperatura do corpo, a dilatação dos vasos e a transpiração, provocariam irritação, excitação, agressividade e explosões emocionais (veja gráficos abaixo).


Causa e efeito

De modo que o verão traz, junto com a alegria, maior explosividade. Isso não quer dizer que todo mundo vai sair por aí batendo no colega do lado. As reações individuais são muito diferenciadas: uns são naturalmente mais predispostos do que outros às influências do ambiente. Só não resta dúvida de que, em algum grau, todos somos afetados pelo clima. "Como qualquer matéria, o corpo humano também reage às mudanças climáticas, o que influi no nosso metabolismo e no comportamento", diz Mendonça.

O horário de verão — o adiantamento dos relógios para economizar energia, proposto pela primeira vez por Benjamin Franklin em 1784 — pode causar "desordem corporal interna". Trata-se de um mal-estar decorrente de uma reação do relógio biológico à mudança brusca. Segundo os médicos do Grupo de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos da Universidade de São Paulo, ela afeta diretamente o humor, o apetite e a saúde.

Há tantas coincidências estatísticas e conclusões precárias em estudos de influência climática quanto enigmas. Até hoje, apenas uma doença mental associada à ação das estações do ano foi diagnosticada, em 1987: o transtorno afetivo sazonal. Trata-se de uma depressão que, no inverno, provoca excesso de fome e de sono, induzindo a aumento de peso, mas que pode ser tratada com a exposição à luz artificial. Segundo Helena Calil, 5% de todos os casos de depressão têm suas causas na variação do tempo.

Desde 1960, quando os especialista se reuniram nos Estados Unidos e fundaram a Cronobiologia — a ciência que estuda os ritmos biológicos do corpo (veja quadro na página ao lado) —, sabe-se que a regulagem de funções como respiração, circulação, digestão, sono e excreção é feita pela luz do dia. Nelson Marques, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), não tem dúvidas de que "o ambiente determina mudanças fisiológicas e de comportamento". O corpo tem um relógio interno, sincronizado pela duração dos dias e das noites, que gera os chamados ciclos circadianos.

Dois hormônios

A resposta aos enigmas pode estar em dois hormônios que atuam nos ciclos circadianos, a serotonina e a melatonina — esta uma transformação da primeira induzida por aminoácidos. Muitos pesquisadores consideram a melatonina, um hormônio relaxante produzido só à noite, um fator capaz de causar sonolência e desânimo em indivíduos. Abundante nas noites longas do inverno, ela diminuiria o ânimo em dias de pouca luz (veja infográfico abaixo). "Mas a melatonina também é responsável pela concentração de serotonina no cérebro, um neurotransmissor que está relacionado ao humor e à irritabilidade", ressalta o neurofisiologista Roberto Frussa Filho, da Universidade Federal de São Paulo. Assim, com as noites curtas de verão, tanto a melatonina quanto a serotonina escasseiam. "Baixos níveis de serotonina no cérebro, no verão, provocariam mais agressividade, contribuindo para o aumento da criminalidade e dos suicídios nessa época do ano", diz Calil.

Para a psiquiatra, a queda de serotonina no verão, com o conseqüente aumento de agressividade, também poderia explicar outro estudo conduzido por ela, que identificou no verão brasileiro uma maior ocorrência de suicídios — gesto que define como "auto-agressão". É a mesma conclusão de uma pesquisa espanhola feita em 1997. Os pesquisadores Alonso Garcia e Pinana Lopez, do Centro de Salud La Unión, na cidade de Murcia, analisaram os registros de suicídios de 1986 a 1993 e verificaram que o mês com o maior número de casos foi julho — pleno verão espanhol.

Esquizofrenia

Há estudos que esbarram em dúvidas para as quais a ciência não tem respostas. O dinamarquês Preben Mortensen, do Instituto de Pesquisa em Psiquiatria Básica da Universidade de Aarhus, publicou em 1999, no The New England Journal of Medicine, um trabalho atribuindo maior probabilidade de ocorrência de casos de esquizofrenia, na Dinamarca, em gente nascida no fim do inverno, em fevereiro e março. Os nascidos em agosto e setembro apresentam menos incidência . Por quê, não se sabe. "A estação do nascimento deve ser vista como uma fonte de fatores que contribuem diretamente para o risco de contrair esquizofrenia", diz apenas a conclusão.

Boa parte da especulação advém do fato de que "o quanto sentimos desses efeitos, e como eles se manifestam, depende da fragilidade biológica de cada um", diz a professora Dóris Moreno, do Grupo de Doenças Afetivas do Hospital das Clínicas de São Paulo. O que ninguém duvida é de que "o sistema nervoso é flexível e se molda a mudanças ambientais", como afirma o neurofisiologista Gilberto Xavier, do Instituto de Biociências da USP. Xavier adverte para conclusões apressadas sobre relações de causa e efeito entre clima e comportamento. No estudo dinamarquês, nota, o resultado poderia expressar tanto uma influência do ambiente na gestante quanto no recém-nascido, ou mesmo na atitude da mãe junto ao bebê.

Quando anoitece, o hipotálamo, órgão situado no centro do cérebro, recebe da retina informações sobre a queda da luminosidade no ambiente.

Nele funciona o núcleo supraquiasmático, nosso relógio biológico. O núcleo orienta as funções de todo o corpo por meio da glândula pineal, sempre obedecendo à luminosidade.

Durante a noite, o núcleo supraquiasmático aciona outro núcleo, o paraventricular, que impulsiona a glândula pineal para produzir a melatonina. É esse hormônio relaxante que tem a função de percorrer a corrente sanguínea informando as células que é hora de repousar.

A pineal é uma fábrica de hormônios. Dentro dela produz-se, sem parar, o neurotransmissor serotonina, matéria-prima da melatonina. Mas só à noite a ausência de luz permite à serotonina virar melatonina.

Hora do suco

O sistema digestivo também tem hora certa para funcionar. Comer em horários irregulares significa elevar a produção de suco gástrico quando o sistema digestivo não está programado para a tarefa. Isso pode causar úlcera e gastrite.

Coração operário

O coração muda de ritmo. Sua variação pode ser percebida pela mudança da temperatura do corpo, que vai de 35 graus Celsius às 5 horas da manhã a 37 graus Celsius às 18 horas. Trabalhar à noite significa forçá-lo a esforçar-se fora de compasso.

Quando o sol começa nascer, o hipotálamo recebe da retina, na forma de sinais elétricos, a informação do aumento de luz, ainda que estejamos de olhos fechados ou dormindo. O relógio biológico é sicronizado pela luminosidade, independentemente de nossa vontade.

Informado de que o dia raiou, o núcleo supraquiasmático passa a bloquear o trabalho do núcleo paraventricular, por meio de um aminoácido chamado gaba.

Sem as ordens do hipotálamo, a pineal suspende a transformação da serotonina em melatonina. Sem melatonina, as células do corpo percebem que chegou a hora de despertar. O corpo já está preparado para as atividades diurnas. A serotonina da pineal fica armazenada para reiniciar um ciclo de produção de melatonina na próxima noite.

Não foi um biólogo, mas um astrônomo, quem descobriu a existência dos ciclos biológicos. Em 1729, o francês Jean Jacques De Mairan percebeu que uma planta do seu observatório se comportava de modo estranho: à noite, a flor (provavelmente uma mimosa) parecia dormir, ficando com as folhas murchas. Durante o dia ocorria o inverso: suas folhas abriam-se. Intrigado, guardou a planta em um local totalmente escuro e percebeu que ela mantinha as mesmas reações nos mesmo horários. De Mairan escreveu um artigo, Observation Botanique, e o enviou à Academia de Ciências de Paris informando que, aparentemente, a planta tinha uma marcação interna de tempo. A descoberta, entretanto, não despertou interesse, permanecendo apenas como uma curiosidade. Só em 1960, com a realização do Simpósio sobre Relógios Biológicos, organizado pelo Cold Spring Harbor Laboratories, dos Estados Unidos, a Cronobiologia veio a ser formalizada como área de estudos biológicos.

Bem utilizados, luz, clima e estações do ano podem melhorar a qualidade de vida. Nos Estados Unidos, a empresa Lockheed Missiles, da Califórnia, inaugurou um edifício para 2 000 funcionários, em Sunnyvale, com um átrio central e janelas que projetam a luz do sol dentro do prédio. No ano seguinte à mudança, os funcionários faltaram 15% menos ao trabalho e a produtividade cresceu 15%. Marcelo Rómero, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, cita o fato como exemplo de que a proximidade do ambiente externo torna o trabalho mais agradável.

Na educação, há vários estudos sobre mudança climática. Um dos mais recentes foi relatado pelo pesquisador Tim Brennen, especialista em Psicologia Cognitiva da Universidade de Tromso, na Noruega. Ele apresentou à Associação Britânica de Psicologia, em novembro passado, uma pesquisa com 100 indivíduos, feita em regiões da Noruega onde a estação fria é longa e escura. Verificou que, em testes de memória e de resolução rápida, eles tiveram um resultado melhor durante o inverno do que no verão. Conclusão: algumas habilidades mentais, como memória e atenção, melhoram na estação fria.

Para aproveitar o clima é preciso conhecer sua influência. Francisco Mendonça, da Universidade Federal do Paraná, acha que, no Brasil, poucos cientistas investigam seu impacto no comportamento por medo de serem identificados com o "determinismo climático", corrente de pensamento dominante até meados do século XX. Deterministas como o geógrafo americano Ellsworth Huntigton (1876-1947) chegaram a atribuir ao clima o exagero de moldar o "caráter" de países. Mendonça, é lógico, discorda. "Seria um erro considerar o clima como fator isolado de mudanças comportamentais", diz o geógrafo. Mas, pelas pesquisas cada vez mais freqüentes, seria um erro maior ainda ignorá-lo.

Numa temperatura ambiente acima de 30 graus Celsius, a circulação sanguínea expande-se pelo corpo todo com intensidade para liberar calor. As pessoas ficam vermelhas e coradas.

Para liberar calor, as glândulas sudoríparas absorvem água de diversas partes do corpo e, ao liberá-la pelos poros, mandam a quentura para fora. Quando o suor na pele é removido pelo vento, ocorre uma sensação de alívio e frescor.

Quando a temperatura está abaixo de 15 graus Celsius, o sangue concentra-se na parte central do corpo, mantendo aquecidos órgãos como o coração e o intestino. O resultado são mãos e pés frios.

No frio, quando os pêlos se arrepiam, criam uma cobertura para proteger a pele do contato com o ar frio. Dessa forma, procuram reter o ar quente que está próximo ao corpo.

Para produzir calor durante o frio, os músculos trepidam num exercício involuntário, quebrando açúcares para produzir energia. É quando se "treme de frio".

O Rio Grande do Sul é a maior vítima de ventos repentinos no Brasil. Ali passa o minuano, que provoca uma queda de até 20 graus Celsius na temperatura, e o vento norte, quente e seco, que reduz a umidade do ar a menos de 25%, quando o ideal é que ela fique entre 60% e 70%. Muitos gaúchos tornam-se impacientes e irritados quando começa a ventania. Maria da Graça Sartori, professora da Universidade Federal de Santa Maria (RS) que estuda a influência do clima, explica: "Assim como quem mergulha no mar, estamos afundados em uma atmosfera que tem pressão, temperatura e eletricidade estática". Para ela, "quando há uma alteração brusca, temos o humor alterado por essa gangorra ambiental".

sábado, 21 de março de 2009

O que ler para entender Darwin nos seus 200 anos

DANIEL BENEVIDES


Charles Darwin talvez tenha sido o cientista que mais mexeu na forma como vemos a vida e o mundo à nossa volta. Apesar dos 200 anos completados esse ano, o autor de "A Origem das Espécies" continua ativo - e como! A palavra darwinismo, usada correta ou abusivamente, virou moeda corrente em qualquer discussão sobre a evolução da vida na Terra. Em alguns meios, especialmente os religiosos e/ou criacionistas, chega a ser sinônimo de ateísmo. Pois, se Copérnico tirou nosso planeta do centro do universo, Darwin rebaixou o homem de sua patente divina, revelando sua ascendência animal.

Muitos livros tentam compreender esse sujeito tímido, hipocondríaco e cheio de reservas, mas que ousou abalar para sempre os alicerces da chamada civilização. E nenhum deles parece mais completo do que a volumosa biografia escrita pelos estudiosos Adrian Desmond e James Moore, já na quinta edição (Geração Editorial). O livro, cujo apropriado subtítulo é "A Vida de um Evolucionista Atormentado", detalha, com linguagem cativante, não apenas as descobertas de Darwin, como descreve a mutante sociedade vitoriana em que vivia, imersa em intolerância moral e religiosa, mas também em convulsões sociais e calorosos debates científicos e progressistas. E retrata o homem Darwin, com suas fraquezas e conflitos internos e sua enorme relutância em confrontar o mundo com idéias ousadas demais. O próprio Darwin se via como um "capelão do demônio" e sentia-se "confessando um crime" ao sugerir que moluscos acéfalos e hermafroditas seriam os ancestrais da humanidade.

Quem quiser, no entanto, um resumo consistente da evolução das idéias do grande cientista pode começar com o simpático "As Dúvidas do Sr. Darwin", do americano David Quammen (Companhia das Letras). Conciso, ensaístico e mais autoral do que erudito, o livro trata do período posterior à famosa viagem a bordo do Beagle pela América do Sul e Galápagos. Quammen preferiu concentrar-se nas viagens feitas por Darwin dentro de sua própria cabeça, mostrando como ruminou por 20 anos (!) até sentir-se preparado para lançar sua bomba devastadora, na forma do livro "A Origem das Espécies".

O autor parece conhecer bem o assunto e recheia cada página com anedotas saborosas, sem nunca perder o fio da meada teórica. Faz, por exemplo, com que pesquisas com cracas e minhocas tenham sabor de enredo policial. Outra qualidade de seu livro é expor claramente as críticas severas que Darwin recebeu, assim como os apoios fundamentais que teve, tecendo uma espécie de romance científico, com vilões de grossas sobrancelhas e dedos em riste e mocinhos corajosos (como Wallace, "co-autor" do conceito de seleção natural), dispostos a enfrentar a opinião pública com suas idéias avançadas.

David Quammen usa uma linguagem mais leve para explicar as descobertas de Darwin. Um excelente complemento para essa leitura é "Aventuras e Descobertas de Charles Darwin a Bordo do Beagle", de Richard Keynes (Jorge Zahar). O livro, de tamanho generoso, relata as exóticas incursões de Darwin por florestas tropicais e inóspitas regiões vulcânicas. Recheado pelas belas ilustrações de Conrad Martens, colega de Darwin no Beagle, traz ágeis descrições das pesquisas de campo feitas por Darwin na Bahia e Rio de Janeiro; na Patagônia e ilhas Galápagos, sempre que possível reproduzindo notas, trechos de livros, cartas, diários e cadernos do próprio cientista, ele mesmo um ótimo escritor.

Pelo livro ficamos sabendo do horror de Darwin à escravidão, de sua reação diante dos selvagens da Terra do Fogo, de suas observações geológicas durante um terremoto avassalador, de como teve de lidar com guerras e conflitos com índios no Uruguai e na Argentina, das descobertas de fósseis gigantes e gigantescas tartarugas, entre outros espécimes curiosos, e de como adotou uma percepção em tudo pioneira da hoje conhecida ecologia.


Há ainda uma ótima biografia do livro "A Origem das Espécies", escrita por Janet Browne, da Jorge Zahar. Entre as curiosidades, conta como o livro, lançado em 1859, teve sua primeira edição esgotada em um só dia. Conta também que, ao contrário do que muita gente pensa, o livro não menciona em nenhum lugar que o homem descende dos macacos. Essa conclusão aparece apenas em 1871, no seu estudo "A Descendência do Homem", em que cunhou nova idéia revolucionária: a seleção sexual. Esse livro foi completado por outro, bastante curioso, que agora está sendo relançado em formato de bolso: "A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais" (Companhia das Letras). Para quem tem pouco tempo, recomenda-se "Darwin e a Evolução em 90 minutos", de Paul Strathern (Jorge Zahar). É bem curtinho, mas dá o recado.

E afora os excelentes livros dos darwinistas de carteirinha Ernest Mayr, Richard Dawkins e Stephen Jay Gould, há também no mercado alguns volumes que tratam da influência de Darwin hoje nas ciências e também no dia-a-dia. Dentre esses, pode-se destacar "Charles Darwin em um Futuro Não Tão Distante", uma compilação de palestras de estudiosos preparada pelo Instituto Sangari especialmente para o bicentenário do cientista; e "O Espectro de Darwin - a Teoria da Evolução e Suas Implicações no Mundo Moderno" (Jorge Zahar). Quem quiser se aventurar no próprio "A Origem das Espécies", há pelo menos três edições diferentes: da Martin Claret, da Itatiaia e da Editora Escala.

Por último está no ar um completíssimo site com bibliografias online, sugestões de pesquisa e notícias montado também para esses 200 anos do "capelão do demônio", aqui.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Galáxias colidem e dão origem a uma terceira

Uma imagem surpreendente divulgada pela Nasa (agência espacial norte-americana) mostrou um feito raro: a colisão de duas galáxias dando origem a uma terceira.

O momento da colisão foi capturado pelo Telescópio Espacial Spitzer, da Nasa.

As galáxias tinham buracos negros em seus núcleos com massa milhões de vezes maior que a do Sol.


Reuters

Imagem feita pela Nasa mostra a colisão de duas galáxias; efeito raro
resultou na criação da galáxia NGC 6240

Fundidos, os núcleos das galáxias deram origem à chamada NGC 6240, localizada a 400 milhões de anos luz de distância do Sol, na constelação de "Ophiuchus".

Agora, esses núcleos estão se aproximando numa velocidade tremenda e se preparando para a colisão final. Ela acontecerá por completo daqui alguns milhões de anos, um período relativamente curto nos parâmetros do tempo no espaço.

"Uma das coisas mais legais da imagem é que esse objeto é único", disse Stephanie Bush, do Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica, em Cambridge (EUA), autora de um artigo que descreve a observação do fenômeno que será publicado no próximo "Astrophysical Journal".

"Simplesmente não há muitas colisões galácticas nesse estágio no Universo que normalmente observamos."

segunda-feira, 2 de março de 2009

Cometa "na contramão" será visível na Terra hoje

RICARDO MIOTO

colaboração para a Folha de S.Paulo

O cometa Lulin, esverdeado, rápido, vindo de longe, circulando no sentido oposto ao dos planetas e com duas caudas, poderá ser visto no céu com brilho máximo na madrugada de hoje para amanhã, com ajuda de binóculos. Vale a pena: ele não deve voltar por aqui nos próximos milhões de anos.

Já era possível ver o Lulin aumentando o seu brilho no céu havia alguns dias, mas ele atinge agora a sua aproximação máxima com a Terra. Estará a cerca de 60 milhões de quilômetros, menos de metade da distância entre a Terra e o Sol.

Para observar o astro errante no seu momento mais luminoso, será necessário estar em um lugar com céu limpo e longe das luzes da cidade. A Lua, pelo menos, deve colaborar: estará no fim da fase minguante e não ofuscará a observação.


Jack Newton/Arquivo Pessoal
Cometa Lulin poderá ser visto com ajuda de binóculos, nesta madrugada;
ele estará a cerca de 60 milhões de km

Se as condições forem favoráveis, será possível ver o cometa a olho nu. Ter um binóculo à mão é recomendável. Mas é melhor não contar com o bom tempo: o Sol aparece hoje entre nuvens no país inteiro e pancadas de chuva podem acontecer. Na noite de hoje, o cometa aparecerá perto de Saturno.

Deixando poeira

Quando um cometa se aproxima do Sol, o calor vaporiza a sua crosta de gelo e poeira, que deixa um rastro conhecido como cauda. Segundo Daniela Lazzaro, pesquisadora do Observatório Nacional, a cauda nada mais é, portanto, do que "poeira deixada para trás".

O vento solar, que é uma corrente de partículas carregadas que o Sol emite, joga esses gases para fora de maneira perpendicular à órbita. Quem olha da Terra para o Lulin, então, vê duas caudas. Mas Tasso Napoleão, diretor da Rede de Astronomia Observacional, diz que, no caso de Lulin, é apenas "uma ilusão de ótica, uma questão de ângulo". "A cauda, na verdade, é uma só", completa.

O Lulin circula em sentido oposto ao dos planetas em torno do Sol. Como a Terra está indo na direção contrária à do cometa, a velocidade aparente do astro será alta. Estima-se que, todos os dias, ele esteja se deslocando cinco graus no horizonte. Isso significa que, se você esticar seu braço em direção ao céu e olhar para sua mão com os dedos juntos, o cometa percorrerá o espaço de três dedos, aproximadamente.

Quem observar o Lulin com bastante paciência, portanto, poderá percebê-lo se movendo em relação às estrelas.
Cometas podem voltar com frequências que variam de algumas dezenas até milhões de anos. Os cometas de período mais curto --como o Halley, que visita a Terra a cada 76 anos-- vêm de um lugar chamado cinturão de Kuiper (pronuncia-se "kóiper"), a mesma região do planeta-anão Plutão.

Outros cometas, de período longo, como Lulin, vêm de uma região orbital bem mais distante: a Nuvem de Oort, a 50 mil unidades astronômicas (o mesmo que 50 mil vezes a distância entre a Terra e o Sol). Isso significa que, se a Terra estivesse a um metro do Sol, a Nuvem de Oort estaria a 50 quilômetros (o cinturão de Kuiper estaria a algumas dezenas de metros). Por isso, os cometas de lá, depois de passarem por aqui, demoram para voltar. O Lulin é um deles e leva milhões de anos para completar uma órbita.

O cometa foi visto pela primeira vez em julho de 2007, por observadores asiáticos.

A Nasa (agência espacial dos EUA) apontou o telescópio espacial Swift para o Lulin a fim de tentar entender melhor a sua composição química e encontrar mais pistas sobre a origem dos cometas e do Sistema Solar. Cometas são de grande interesse para isso, pois acredita-se que sua composição seja semelhante à de corpos que vagavam no espaço antes da formação dos planetas.