domingo, 21 de junho de 2009

O que faz de você você?

Engraçado, tímido, agressivo, egoísta, inteligente. Um caldeirão de influências forma a sua personalidade. Descubra o que faz com que você seja do jeito que é - e veja o que ainda consegue mudar,
por Texto Mariana Sgarioni e Leandro Narloch
Revista SUPERINTERESSANTE

As irmãs iranianas Laleh e Ladan Bijani tinham exatamente os mesmos genes e viveram juntas todas as experiências da vida. Nascidas gêmeas idênticas e siamesas, ligadas pela cabeça, permaneceram 29 anos grudadas. Morreram em 2003, na cirurgia que as separou. Mesmo sabendo dos riscos da operação, elas toparam o desafio só pela oportunidade de viver separadas. “Somos dois indivíduos completamente distintos que estão grudados um no outro”, disse Ladan em uma entrevista antes da cirurgia. “Temos visões de mundo diferentes, estilos de vida diferentes e pensamos de modo muito diferente sobre os assuntos.” Laleh queria se mudar para Teerã e se tornar jornalista, enquanto Ladan planejava ficar em sua cidade natal e praticar advocacia. Uma era mais graciosa; a outra, mais fechada.

A individualidade humana é um mistério: somos todos diferentes uns dos outros, e isso acontece até mesmo com gêmeas idênticas como Laleh e Ladan, que carregam o mesmo DNA e foram educadas do mesmo jeito. A ciência moderna tenta há séculos explicar a intrincada malha que forma o nosso comportamento. Nessa corrida, há filósofos, psicólogos, neurocientistas, geneticistas e até literatos. No livro Notas do Subterrâneo, o escritor russo Fedor Dostoiévski zomba de quem acredita que “a ciência explicará ao homem que ele nunca teve vontade, nem caprichos e que não passa, em suma, de uma tecla de piano, de um pedal de órgão”.

Dostoiévski mostra que o nosso jeito de ser não é só uma questão de curiosidade pessoal. O que cientistas ou escritores estudam sobre a origem da personalidade geralmente cria novos modos de ver o mundo, códigos morais e sistemas políticos. No século 17, o filósofo inglês John Locke formulou a metáfora da tabula rasa, segundo a qual somos uma espécie de folha em branco que é preenchida no decorrer da vida. O princípio de Locke foi essencial para a criação de pilares da política moderna, como a Declaração dos Direitos Universais do Homem, de 1776, ou o socialismo. Afinal, se todos os homens nascem iguais, então merecem os mesmos direitos e oportunidades. No século 20, o líder comunista chinês Mao Tsé-tung, na tentativa de reformar radicalmente o homem chinês, cita a tábula rasa no seu Livro Vermelho, falando de folhas em que “as personalidades mais novas e mais bonitas podem ser escritas”. Já a idéia oposta à tabula rasa, de que pessoas e etnias nascem mais dotadas que outras, fundamentou projetos de engenharia social e genocídios como o Holocausto judeu.

Nas últimas décadas, o debate ganhou o nome de nature x nurture: no primeiro time, está quem coloca na natureza a raiz da nossa personalidade; no segundo, quem acha que o ambiente é o grande definidor. Hoje, essa polêmica deu lugar a uma cooperação, com os dois lados trabalhando juntos para desvendar a individualidade. Dessa união, estão saindo muitas das respostas novas e mais precisas das principais questões sobre o comportamento humano.

A genética determina o comportamento?

Não. O nosso DNA possibilita e favorece determinados tipos de comportamento, mas não determina nada. “Os genes não restringem a liberdade humana – eles a possibilitam”, diz Matt Ridley, autor do livro O Que Nos Faz Humanos, em um artigo para a revista New Scientist. “A genética não é um destino, não determina o que você vai ser. Ela oferece predisposições. Todos estão sujeitos a influências ambientais que podem, sim, mudar a expressão dos genes e fazer com que eles simplesmente não se manifestem”, diz André Ramos, diretor do Laboratório de Genética do Comportamento da Universidade Federal de Santa Catarina.

Traços de personalidade são idéias, conceitos culturais: dependem dos olhos de outros e da cultura de um lugar e de uma época para aparecerem e ganharem um nome. O que é inteligência, pedofilia, má-educação ou timidez no Brasil pode ganhar nomes bem diferentes no Japão, por exemplo. Por isso, não dá para encontrar a personalidade pura no DNA. Mas a nossa herança genética pode, sim, influenciar o funcionamento do corpo, que, numa cultura ou em outra, resulta em comportamentos diferentes.

Ao nascer, cada ser humano carrega uma composição de 30 mil a 35 mil genes, formações de DNA que ficam ali dentro dos nossos 23 pares de cromossomos. As principais descobertas dos geneticistas do comportamento relacionam os genes à regulação de mecanismos fisiológicos que mudam o comportamento, como impulsividade, vício de determinadas substâncias e memorização. Há indicações, por exemplo, de diferenças genéticas na regulação da dopamina, neurotransmissor relacionado à sensação de prazer. Em algumas pessoas, a cocaína provocaria uma descarga anormal de dopamina, causando vício. “É provável que esse medidor químico sofra uma deficiência natural e, portanto, alguns indivíduos sejam mais suscetíveis a se viciar em cocaína”, dizem os pesquisadores Howard S. Friedman e Miriam W. Schustack, autores de Teorias da Personalidade.

Uma pesquisa do Instituto de Psiquiatria de Londres, divulgada no ano passado, mostra como o comportamento pode ser afetado por uma interação entre genes e ambiente. Ele teve acesso a um estudo que acompanha desde 1972 a saúde física e mental de mais de 1 000 pessoas desde o nascimento. Descobriu que homens maltratados na infância tinham uma probabilidade 10 vezes maior que os demais de cometer crimes violentos desde que, além de terem sofrido maus-tratos, possuíssem pequena atividade da enzima MAOA do cromossomo X, que permite níveis elevados de serotonina. No total, 85% dos homens maltratados na infância e cuja MAOA é pouco ativa exibiram comportamento violento ao longo da vida. Entre os que possuíam a forma muito ativa, os maus-tratos não aumentaram o comportamento violento.

Outro exemplo é o gene FOXP2, no cromossomo 7, isolado recentemente pelo Centro de Genética Humana da Fundação Wellcome, no Reino Unido. Mutações nesse gene causam deficiências específicas de linguagem – ele parece ser necessário para o desenvolvimento da fala. “Ele permite que a mente humana absorva, a partir das experiências vividas na 1ª infância, o aprendizado necessário para falar”, afirma Matt Ridley. Com problemas de fala, é mais fácil para a criança desenvolver traços como a timidez.

A composição genética tem ainda efeitos indiretos, que acabam influenciando até o comportamento dos pais. É que, por mais que digam o contrário, os pais variam a forma de tratamento conforme o filho. Crianças alegres, que sorriem e olham nos olhos dos pais, costumam deixá-los gratos e mais carinhosos. Segundo uma pesquisa de 1994 feita pela Universidade da Pensilvânia, alguns autistas – que não costumam olhar nos olhos ou expressar emoções – têm, por isso, pais indiferentes e um pouco frios. Outro exemplo é a beleza das crianças. Se a composição genética faz uma criança ser considerada bonita, ela terá mais chances de ser o centro da atenção dos pais. E isso influenciará sua personalidade.

Os pais influenciam a personalidade dos filhos?

Sim, mas a influência é imprevisível. Desde os primeiros estudos de Sigmund Freud, e até antes deles, os pais são tidos como os agentes mais importantes na criação de uma pessoa. São os primeiros a conter o que há de animal em nós, nos ensinando a controlar desejos em nome de regras morais, castigos e convenções da civilização. Com essa premissa, Freud foi, ao lado de Darwin, um dos grandes pensadores do século 19 a abalar a idéia de Deus, mostrando que as noções de pecado e culpa são transmitidas pelos pais e podem ser a causa de vários dos nossos problemas. Do conflito entre os nossos desejos e culpas, sairiam traços de personalidade (como a timidez, a vergonha), recalques inconscientes e fraquezas que nos acompanham vida afora. Freud vai mais longe: para ele, o jeito com que meninos e meninas lidam com a figura do pai e da mãe é essencial para definir a sexualidade da pessoa.

Mas as idéias do austríaco fomentaram tantas generalizações grosseiras e técnicas furadas de educação (veja na página 54) que hoje, fora dos círculos de psicanalistas, estão cada vez mais desacreditadas – e o pai da psicanálise é considerado mais um filósofo que propriamente um cientista. O que não quer dizer que ele deva ser descartado.

Até o ponto que a genética permite, um bebê recém-nascido é como um molde de argila flexível. O que ele aprender, ver, ouvir, sentir será armazenado no cérebro e irá compor a maneira como agirá no futuro. Ao nascer, vai demorar meses até conceber idéias básicas, como a de ser distinto das coisas ao redor. Aos poucos, porém, vai se dar conta de que consegue mover algumas dessas coisas – seus braços e pernas – e que outros seres fazem o mesmo. Assim, a partir do outro, o bebê começa a ter a noção de eu, de que é um indivíduo.

Conforme interage com os adultos, a criança se molda ao mundo em que nasceu. Se os adultos ao redor forem lobos ou cavalos, passará a vida toda uivando ou relinchando e bebendo água com a língua, como aconteceu como o “Selvagem de Aveyron”, garoto encontrado na França em 1799 que viveu a infância isolado na floresta e por volta dos 12 anos trotava, farejando e se alimentado de raízes. Ou então as indianas Kamala e Amala, dos anos 20. Acolhidas por lobos quando recém-nascidas, elas andavam de quatro, tinham horror à luz e passavam a noite uivando.

Entre lobos ou humanos, a criança aprende o que pode ou não fazer. Percebe que, ao chorar mais alto, a mamadeira vem mais depressa. Portanto, vale a pena ser manhosa, pelo menos de vez em quando. Quando joga um objeto no chão, é repreendida pela mãe e ganha uma bela bronca. Também começa a diferenciar sentimentos: o que achava ser dor, começa a receber nomes diferentes como “fome”, “ciúme”, “medo”. “As sinapses cerebrais são construídas a partir das relações externas. Sem interação com o outro, não há personalidade”, afirma Benito Damasceno, neurologista e professor de neuropsicologia da Unicamp.

E os “outros” mais importantes dos nossos primeiros anos são os pais. Com eles, exercitamos uma das nossas grandes capacidades inatas: a de imitar. Os pais servem de referência para estabelecermos padrões de sentimentos e atitudes – o filho que imita o pai se barbeando também conhece com ele jeitos de se relacionar com as mulheres, modos de regular o tom de voz e até preferências intelectuais.

Prova disso é um estudo citado no livro Freaknomics, de Steven Levitt e Stephen Dubnere, realizado no ano de 1991 com 20 mil crianças americanas até a 5ª série. O estudo tentou relacionar o desempenho escolar das crianças com o perfil dos pais e a convivência de todos em casa. Descobriu que as boas notas não estão relacionadas àquilo que os pais fazem – se mandam os filhos ler ou lêem para eles antes de dormir –, mas ao que eles são: se têm o hábito de ler para si próprios, se têm livros em casa e se são bem instruídos.

“Nos primeiros anos, o filho se identifica com quem faz o papel de pais e passa muito tempo copiando suas ações”, diz Eloísa Lacerda, fonoaudióloga e psicanalista da PUC-SP especializada na 1ª infância. Talvez se explique assim o caso do filho que passa a infância apanhando e, quando adulto, vira um pai igualmente agressivo. A mesma teoria serviria também para explicar o contrário: o filho que, em alguns pontos, se torna o contrário dos pais. É que eles podem servir de referência de traços aos quais reagimos. Assim os psicólogos explicam a família do casal que passa as noites brigando e tem um filho do jeito oposto – tranqüilo e pacificador.

O problema é que, se explicam muito bem a raiz das motivações de uma pessoa em particular, essas teorias não servem para montar leis gerais da natureza. Vale a regra do “cada caso é um caso”, que nem sempre é comprovada por estatísticas. Além disso, o convívio com os pais é só uma etapa do desenvolvimento. Em casa, a criança cria ferramentas que poderá desenvolver ou não quando passar por outro desafio: a busca para ganhar destaque entre seus iguais.

As amizades influenciam?

Muito mais do que imaginamos. Em 1998, a psicóloga americana Judith Rich Harris causou uma revolução nas teorias da personalidade ao afirmar que o convívio com os pais é só um dos fatores que influenciam a personalidade dos filhos – e um dos menos importantes. No livro Diga-me com Quem Anda..., ela fala que as relações horizontais dos 6 aos 16 anos – da criança com seus pares, o grupo de amigos da escola ou da vizinhança – são o grande definidor da personalidade adulta.

Para fundamentar o que diz, Judith Harris recorre aos 6 milhões de anos de evolução dos humanos. Durante esse tempo, os seres humanos que mais deixaram descendentes foram os que se acostumaram a andar em bando e conseguiram ter uma boa posição dentro dele. Quanto mais valiosos dentro do grupo, mais descendentes geravam. Do grupo dependia a sobrevivência e, depois da morte, a sobrevivência dos descendentes. Essa história evolutiva, para Judith Harris, resultou num cérebro sedento por relações gregárias e classificações que diferenciem um grupo de outro e os membros entre si.

Hoje, essa herança da seleção natural funciona assim: ao se identificar com um pessoal, a criança tende a agir conforme as regras internas daquelas pessoas, tentando encontrar um papel que lhe renda uma boa posição entre os membros. De certa maneira, estaria tentando realizar sua missão na Terra: ganhar a proteção do mesmo sexo, para não ser atacado, e atrair o oposto, para se reproduzir. “A identificação com um grupo, e a aceitação ou rejeição por parte do grupo, é que deixam marcas permanentes na personalidade”, afirma Judith Harris. Para ela, é assim que o gordinho da turma vira o gordinho engraçado: ele usa o humor para conquistar atenção. Assim se explicaria também a garota mais bonita da sala que não se preocupa em desenvolver a inteligência – a beleza já a destaca.

O principal exemplo usado pela psicóloga são os filhos de imigrantes. Apesar da língua, da religião e dos costumes que os pais tentam transmitir, a criança os ignora facilmente quando começa a ter contato com amigos do novo país. Aprende o idioma de uma hora para outra e, em poucos anos, se parece muito mais com os amigos que com os pais.

Outro exemplo é uma pesquisa com panelinhas de estudantes americanos por volta dos 12 anos. O psicólogo Thomas Kindermann descobriu que crianças de um mesmo grupo tinham notas e atitudes parecidas na escola. Se fizer parte de um grupo em que o desempenho escolar é importante, a criança se estimula a ter melhores notas. Se não conseguir, é provável que vá para outra panelinha, dos esportistas, por exemplo, que não consideram as notas uma coisa superlegal.

A teoria de Judith explicaria por que pais normais, que seguiram sempre as regras da boa educação, deparam com um filho criminoso. Talvez nossos avós não estivessem errados ao se preocupar tanto com as más companhias. A teoria também tem uma conseqüência aterradora: de que a educação teria pouquíssimo efeito sobre os filhos. Eles não se tornam o que os pais querem que sejam – mas o que os amigos querem. Se é assim, então como educar os filhos?

O estilo de educação importa?

Pouco. Traços de personalidade dependem de diversos fatores e são dificilmente previsíveis. Por isso, estudantes de um colégio militar não se tornam necessariamente adultos metódicos, e os de um colégio liberal não ficam mais criativos. Também não há comprovação científica de que impor limites rígidos previne que o filho seja um adolescente infrator.

Dizer que o estilo de educação importa pouco na personalidade deve fazer psicopedagogos e professores estremecer. Mas a afirmação pelo menos livra os pais de tanta culpa e responsabilidade pelo destino dos filhos. Notícias de adolescentes de classe média que ateiam fogo a mendigos ou espancam empregadas costumam ver acompanhadas de críticas ao pais. A idéia por trás dessa opinião é que os pais são responsáveis pela personalidade e por todos os atos dos descendentes.

Os primeiros estudiosos a culpar os pais pela educação dos filhos foram os psicólogos behavioristas. Eles adaptaram as idéias de Freud sobre o papel dos pais e criaram sistemas de educação baseados em estímulos e respostas. O psicólogo John Watson, famoso no começo do século 20, chegou a dizer que conseguiria fazer de qualquer criança um médico ou artista de sucesso se pudesse aplicar na “cobaia” um sistema contínuo de estímulos e respostas. De pensadores como Watson, veio a idéia, comum hoje em dia, de que uma personalidade bem formada é resultado de uma educação de recompensas e punições.

Essa idéia embala centenas de livros com fórmulas mágicas para transformar crianças em adultos simpáticos, bonitos, bem-sucedidos e livres das drogas. E resulta em pais que se sentem despreparados para criar filhos bem formados. Mas não é preciso ser perfeito para ter filhos, sobretudo porque, como você viu acima, os pais não determinam o destino das crianças e a influência deles é imprevisível. Muitos dos adolescentes que engravidam cedo, se afundam em drogas ou espancam empregadas receberam a mesma educação de jovens que andam na linha – às vezes, os próprios irmãos. Casos assim mostram que seres humanos não são robôs que podem ser programados pelos pais ou por pedagogos.

É importante, porém, não confundir pouca influên­cia com nenhuma influência. “Muitos pais hoje em dia acham que devem agir como amigos. Mas a autoridade e a hierarquia precisa existir, para que se transmita o que é certo ou errado”, diz Eloísa Lacerda, da PUC-SP. Também é bom que os pais fiquem atentos ao relacionamento do filho com os amigos – se ele for sempre a vítima do grupo, sempre humilhado pelos colegas, talvez seja o caso de trocar de escola ou incentivá-lo a se relacionar com outras crianças. “Ao morar num bairro e não em outro, os pais podem aumentar ou diminuir o risco de que os filhos venham a cometer crimes, sejam expulsos da escola, usem drogas ou engravidem”, afirma Judith Harris em Diga-me com Quem Anda...

Por que os irmãos são tão diferentes?

Ninguém sabe exatamente. As irmãs siamesas Ladan e Laleh, do começo desta reportagem, são um exemplo de que nem o ambiente nem a biologia conseguem explicar completamente a personalidade. O caso delas mostra que o lar é um fator importante para fazer irmãos se diferenciar entre si. Uma pesquisa da Universidade de Minnesota descobriu que gêmeos idênticos são mais parecidos quando criados em ambientes separados. Você já deve ter ouvido histórias de gêmeos separados no nascimento que se reencontram 40 anos depois e descobrem que ambos compraram carros azuis, adoram feijoada e jogam xadrez muito bem. Longe um do outro, eles seguiram iguais.

Muita gente explica a personalidade de alguém pela ordem de nascimento ou pela diferença de idade entre os irmãos. O senso comum diz que os primôgenitos são mais independentes; os do meio, rebeldes; os temporões, precoces. O historiador Frank Sulloway, da Universidade da Califórnia, tem estudos nessa linha. Ele analisou a ordem de nascimento de mais de 6 mil personalidades mundiais e concluiu que os filhos mais velhos são mais conservadores, já os mais novos são os criativos e revolucionários – é 18 vezes mais fácil achar um revolucionário caçula que um primogênito.

A pesquisa de Sulloway mostra só um padrão de comportamento (ele não propõe uma lei da natureza), mas contribui para o que se chama de Teoria dos Nichos, tese mais aceita para explicar a diferença entre irmãos. Em casa, a criança procura desempenhar um papel diferente dos irmãos mais velhos. Se um irmão se destaca como esportista, ela pode se apegar mais aos livros. Se um é mais apegado à mãe, a filha do meio pode ser mais independente.

Steven Pinker, psicólogo evolucionista e professor da Universidade Harvard, acredita que a variação de personalidade se resume numa palavra: acaso. “Falo de acasos como um bebê que cai de cabeça no chão sem querer, um vírus que ele pega, um pensamento que deixe uma impressão permanente. Esses fatores podem ter uma influência tão grande no que somos quanto os genes, uma influência muito maior do que os pais”, afirma ele no livro Tábula Rasa.

É possível mudar nosso jeito de ser?

Sim. Na verdade, mudamos nossa personalidade a toda hora. Agimos de modos diferentes com pessoas de idade, sexo ou posição social diferentes. Você já deve ter passado pela sensação de ser amigável e inteligente com alguém que o deixa confortável e agir do modo contrário com quem o desafia. Além disso, a nossa personalidade depende do que os outros acham: você pode ser chato para uma pessoa, mas gente boa ou confiável para quem o conhece melhor. “O homem tem tantos eus quantos são os indivíduos que o reconhecem”, disse em 1890 o psicólogo William James, um dos primeiros a estudar a personalidade.

Mas é claro que há comportamentos e atitudes que são muito difíceis de largar. Somente 10% das pessoas com pontes de safena mudam hábitos alimentares e deixam o sedentarismo. As outras acabam morrendo de ataque cardía­co simplesmente porque não conseguem mudar. Muitas vezes um pai que bate na mulher e nos filhos promete a si mesmo parar com as agressões, mas não consegue. Talvez os genes favoreçam o comportamento impulsivo – e não é nada fácil ir contra a própria composição genética. Ou então, olhando pelo lado da psicologia, somos tão arraigados à referência dos nossos pais e às experiências da infância que esses traços viram nossa identidade. Se é assim, fica difícil até perceber o próprio modo de ser.

Mesmo assim, dá para mudar. “Não existe nenhuma pesquisa científica que mostre que o ser humano não tem jeito”, diz Mariângela Gentil Savoia, psicóloga do Hospital das Clínicas de São Paulo. De ter consciência de si próprio, um traço bem arraigado à personalidade, atribuir a ele uma causa, vencer derrotismos e apegos, vão anos, se não uma vida toda. Mas talvez o caminho de nos conhecer, mudar o que for possível e nos contentar com o que somos seja o grande desafio da vida.

O gordinho engraçado

Este tipo comum é um bom exemplo da teoria da americana Judith Harris, para quem a relação entre os iguais é o fator que mais influencia a personalidade. Entre os vizinhos e os amigos da escola, a criança busca um jeito de receber atenção e ganhar destaque. Se não é o mais bonito ou o mais forte do grupo, conquista o carinho de todos de outro jeito: contando piadas.

A bonita e burra

A moça que nasce mais bonita que a média pode ter mais carinho dos pais (que tratam, sim, cada filho de forma diferente) e ser facilmente aceita entre os amigos. Mas essa herança pode ter um lado ruim: atraindo a atenção pela beleza, ela talvez não desenvolva artimanhas para se destacar, correndo o risco de ficar vazia e desinteressante.

Tímido e inteligente

Por que algumas pessoas são abertas e sociáveis enquanto outras são quietas e tímidas? Uma explicação é o jeito com que nossos pais nos ensinam os sentimentos. O rapaz inteligente e introvertido pode ter aprendido com o pai a ser frio e distante.

Gêmeas e diferentes

Gêmeos idênticos têm exatamente o mesmo DNA e foram educados de forma parecida. Então por que são tão diferentes? A explicação mais aceita é a Teoria dos Nichos: disputando a atenção dos pais, os irmãos adotam papéis diversos. Um serve de referência do contrário para o outro.

O médico altruísta

Para a psicanálise tradicional, tentamos repetir na vida adulta as experiências da infância. Imagine um garoto que nasceu pouco antes de o pai morrer e que, por isso, foi admirado como uma compensação pela mãe e pelos avós. Ao escolher a profissão, ele pode ter gostado da idéia de ser admirado – como um médico que faz tudo pelos pacientes.

Para saber mais

Tábula Rasa

Steven Pinker, Companhia das Letras, 2004.

Diga-me com Quem Anda...

Judith Rich Harris, Objetiva, 1998.

Não Há Dois Iguais

Judith Rich Harris, Globo, 2007.

Teorias da Personalidade

Howard S. Friedman e Miriam W. Schustack, Prentice-Hall, 2004.

domingo, 14 de junho de 2009

Emoções que afetam a saúde

Sentimentos como medo, dúvida ou até mágoa podem desencadear sintomas físicos por todo o corpo. É a chamada somatização, uma área que a medicina tem investigado a fundo

POR STELLA GALVÃO
FOTOS FABIO MANGABEIRA

Revista VivaSaúde

Não é fácil identificar, à primeira vista, uma vítima de somatização.

O transtorno, embora se apresente sob a forma de queixas clínicas variadas, raramente é identificado por sua natureza vinculada às emoções, portanto com forte componente psiquiátrico.

Não foi diferente com a paciente atendida por um dos profissionais ouvidos nesta reportagem, cujo caso é contado a seguir. Vera, 55 anos, viúva, dois filhos, comerciante, apresenta asma brônquica de difícil controle há 15 anos.

O problema começou dois dias após a morte do marido. Ela tem crises de palpitação, se queixa de dores pelo corpo (coluna, pernas, joelhos) que teriam começado há nove anos e também sofre de fraqueza nas pernas.

Conforme o relato clínico de Vera, ela é ansiosa desde jovem, com episódios de dor no peito, queimação nos braços e pescoço.

Tem medos (de sair de casa, de tomar metrô). Queixa-se de insônia, mas diz ter "pesadelos horríveis".

Sofre com dores de cabeça recorrentes há anos. Antes da asma teria desenvolvido rinite de fundo alérgico.

Esse é o fichário clínico de Vera, com o relato dos males físicos. Agora, entra o âmbito das emoções e seu impacto sobre a vida cotidiana. Ela conta que, na infância, assistia o pai espancar a sua mãe.

Quando ela tinha seis anos de idade, o irmão, então com 21 anos, tentou suicidar-se, ato seguido de várias internações psiquiátricas. Ela por vezes sentia-se "nervosa" e então quebrava objetos e se mordia. Tinha receio de aglomerações

Depois de casada, fez um aborto aos 25 anos e outro aos 27 anos. Um ano depois soube que o marido "tinha um caso com uma vizinha".

As relações sexuais passaram a ser desagradáveis, sem o menor indício de prazer. Ficou viúva aos 39 anos e avalia que seus sintomas pioraram desde então. Recebeu os diagnósticos de transtorno somatoforme e transtorno de ansiedade.

Participa do grupo de psicoterapia há dois anos e atualmente é medicada com um antidepressivo e um ansiolítico. Apresenta melhora dos sintomas somáticos, permitindo a gradual diminuição da medicação

O que é somatizar?

O conceito foi proposto inicialmente pelo médico austríaco Wilhelm Steckel em 1921, vinculado às teorias psicodinâmicas.

Somatização, atualmente, tem diversas conotações, dependendo em que contexto é usado, como explica José Atilio Bombana, psiquiatra, psicanalistaprofessor do curso de Psicossomática no Instituto Sedes Sapientiae.

"O ser humano é psicossomático por constituição, ou seja, há uma interação profunda entre fatores orgânicos e psíquicos e, portanto, em tese pode-se considerar toda doença psicossomática."

Porém o uso corrente na literatura médica defi- ne somatização como a tendência para vivenciar distúrbios e sintomas que não encontram explicação patológica em exames clínicos e laboratoriais.

Esses sintomas são atribuídos a doenças físicas e o somatizador, vamos chamá-lo assim, procura ajuda médica para tratá-las.

É o que Steckel batizou de "fala dos órgãos", sinais físicos com forte componente psíquico.

Na versão para o inglês, o termo alemão foi traduzido como somatization, palavra criada a partir do radical grego soma, corpo.

Somatização, segundo a psicóloga Marilda Novaes Lipp, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto e diretora do Centro Psicológico de Controle do Stress, em São Paulo, é um termo genérico que significa a representação física de uma dor emocional.

Essa dor pode ser gerada por conflito, medo, dúvida, ciúmes, inveja, luto ou até mágoa, mas sempre com repercussões no corpo.

E transtorno somatoforme é o seu equivalente no Código Internacional de Doenças (CID 10).

Principais reclamações

Os dez problemas físicos mais relatados pelos somatizadores são: dor no peito, fadiga, tontura, dor de cabeça, inchaço, dor nas costas, falta de ar, insônia, dor abdominal e torpor.

Marilda explica que esse processo se inicia quando negamos à mente o direito de sentir e se expressar.

É quando a angústia "quebra" a resistência corpórea e aparece no órgão alvo. Órgão alvo ou órgão de choque, ela esclarece, é aquela parte de cada um que apresenta alguma vulnerabilidade, genética ou adquirida.

Assim, pessoas de famílias com histórico de hipertensão, quando estão passando por um conflito prolongado, um estresse intenso, podem vir a desenvolver problemas na área cardiovascular, enquanto indivíduos com passado familiar de câncer tendem a desenvolver um tumor sob forte pressão reprimida.

"Às vezes a vulnerabilidade não é hereditária, mas foi adquirida devido a um acidente, como no caso de uma pessoa que, anos após ter sofrido uma fratura, desenvolve dores no local quando está em situações de forte estresse", diz Marilda, que também é professora titular da PUC-Campinas.

Você está com medo da crise econômica?

As repercussões da crise, cujos efeitos se fazem sentir sob a forma de tensão e estresse, podem se refletir diretamente na saúde ou na perda dela. Somatizar a tormenta que afeta o bolso de boa parte da população é um risco potencial.

A psicóloga Marilda Lipp constatou um aumento de cerca de 20% na procura por atendimento clínico dentro das empresas. "quando o estresse se torna excessivo ou muito prolongado, seus efeitos resultam em cansaço, desânimo, dificuldade de concentração e várias doenças.

Pode ocorrer inicialmente azia, má digestão, queda de cabelo, disfunção na pressão, entre outros distúrbios." de acordo com Marilda, são quatro os pilares para o controle do estresse.

O primeiro é uma alimentação rica em verduras, legumes e frutas.

O segundo é promover o interesse em atividades físicas. O terceiro pilar é o relaxamento.

Ela dá uma dica prática para criar um ambiente tranquilo. "como a cor verde acalma, pode-se implantar uma área com plantas para as pessoas olharem."

O último e mais importante pilar é o autoconhecimento, conforme a psicóloga, que ensina que cada um é responsável por sua vida, seu bem-estar e a qualidade de suas relações afetivas.

Como se manifesta

Desde os primórdios dos estudos dessa vertente (que considera o psíquico atrelado ao biológico na manifestação de doenças), sabe-se que algumas patologias têm mesmo um componente fortemente somático.

É o caso de asma, úlceras, fibromialgia, gastrites, alergias e herpes, principalmente, além da chamada síndrome do intestino irritável, quadros dermatológicos como a psoríase, asma brônquica, hipertensão arterial e muitos outros.

As situações que mais deflagram respostas somáticas são as de estresse decorrente de um luto ou de uma separação conjugal, vida profissional altamente insatisfatória e quadros depressivos.

As explicações para a vinculação entre o estado psicológico e o rebaixamento das defesas do organismo baseiam-se nas alterações orgânicas que as situações de estresse provocam como a maior produção do hormônio cortisona, que levaria à destruição das células de defesa do organismo, como alguns tipos de linfócitos.

As principais queixas dos somatizadores são: dor no peito, fadiga, tontura, dor de cabeça, inchaço, dor nas costas , falta de ar, insônia, dor abdominal e torpor

O perfil de risco

Do ponto de vista psíquico, os somatizadores têm sido caracterizados por uma carência na elaboração psíquica, por falhas na simbolização e pelo chamado "pensamento operatório" (pobreza da vida de fantasia, da vida imaginativa, do devaneio e uma excessiva ligação com a realidade, onde o sujeito é "concreto", sendo até os seus sonhos, quando existem, repetições da realidade), como descreve o psiquiatra José Atilio Bombana.

Segundo Marilda Lipp, essa é uma questão que vem inquietando os pesquisadores, entre os quais ela própria.

"Tenho anos de pesquisas nessa área e cheguei à conclusão de que existe o que poderia ser designado de 'perfil psicossomático', que seria a pessoa propensa a desenvolver algum problema físico em consequência de emoções não identificadas ou com as quais não sabe lidar.Porém me parece que o órgão atingido vai depender muito mais da vulnerabilidade física de cada indivíduo do que da emoção que gerou a resposta psicossomática."

Há, no entanto, conforme a professora da PUC-Campinas, algo de muito fascinante nos dados de pesquisa, com algumas emoções parecendo se associar mais à somatização. Um exemplo citado por ela é a manifestação de raiva, fortemente associada à retocolite, hipertensão, doença coronariana e psoríase, entre outras (veja outros casos no quadro Dor e sentimento).

De modo geral, o que o paciente com o diagnóstico de transtorno somatoforme demonstra é a sensação de falta de controle sobre o que está acontecendo, ou de estar sendo injustiçado.

Ou ainda demonstra solidão e a percepção de que não consegue lidar com o que está ocorrendo.

O principal elemento parece ser o que se designa de alexitimia, palavra que vem do grego e quer dizer "sem palavras para a emoção".

De acordo com os especialistas, a dificuldade para perceber o que se está sentindo e dar um nome à emoção presente parece ser o elemento mais importante para o desencadeamento da doença psicossomática.


De acordo com os especialistas, a dificuldade para perceber o que se está sentindo e dar um nome à emoção presente parece ser o elemento mais importante para o desencadeamento da doença psicossomática.

Por que as mulheres são as principais vítimas?

As somatizações ocorrem em ambos os sexos, mas as mulheres são mais acometidas e buscam mais frequentemente tratamento.

"Observamos somatizações em todas as idades, mas há uma predominância no Programa de Atendimento e Estudos de Somatização, da Unifesp, de mulheres de meia idade", confirma o psiquiatra José Atilio Bombana, coordenador do programa.

Não se sabe exatamente por que as mulheres somatizam mais. As hipóteses, conforme o médico, incluem questões biológicas (como as hormonais), questões psicológicas e questões culturais.

As mulheres, diz, parecem ter mais abertura para buscar ajuda para seu sofrimento emocional e, portanto, estão mais presentes nos serviços médicos.

É possível somatizar em qualquer faixa etária, muitas crianças o fazem. Mas, como afirma Marilda Lipp, já há dados científicos mostrando que depressão, ansiedade e estresse são mais comuns nas mulheres.

Por outro lado, "nas avaliações de estresse que fazemos com grande número de pessoas dos dois gêneros, temos notado que, muitas vezes, os homens, talvez por não terem muito espaço na sociedade para chorarem e demonstrarem fragilidade, tendem a desenvolver mais sintomas físicos do que as mulheres".


A ciência comprova

Diversos estudos vêm demonstrando que as pessoas que enfrentam situações altamente estressantes com alguma dose de otimismo estão menos propensas a desenvolverem um transtorno psicossomático e, se o fazem, conseguem recuperar-se facilmente.

Dois estudos publicados em 2007, um no Jornal da Associação Médica Americana (Jama) e outro no Archives of Internal Medicine, atestam esse vínculo.

No primeiro deles, realizado com quase 1.000 pacientes na faixa dos 35 a 59 anos, vítimas de infarto com histórico de ansiedade tinham duas vezes mais risco de sofrer um novo evento cardíaco.

No segundo estudo, o psicólogo Sheldon Cohen, da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, realizou uma análise retrospectiva de artigos médicos que relacionavam emoções intensas com falhas do sistema imunológico.

A conclusão foi que o tom fortemente emotivo pode acelerar uma série de males, e isso com dados de real incidência.Há cerca de dois anos, um estudo publicado no Journal of Neuroscience por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que o estresse acumulado potencializa processos inflamatórios que podem culminar na morte de células nervosas (neurônios) em duas regiões específicas do cérebro: o hipocampo, associado à formação da memória, e o córtex frontal, responsável pelo raciocínio complexo.

Dor e sentimento

A pedido de VivaSaúde, a psicóloga marilda Lipp preparou um quadro com as doenças psicossomáticas mais frequentemente associadas a determinadas emoções. entretanto vale enfatizar que essa relação não é absoluta, uma vez que há pessoas que desenvolvem sintomas diferentes ao sentir a mesma emoção. Na dúvida, o melhor é recorrer sempre à ajuda especializada.
sentimento doença frequentemente associada
Raiva Doença coronariana, retocolite ulcerativa
Depressão Psoríase, câncer
Alexitimia (dificuldade de reconhecer as emoções e de nomeá-las) Hipertensão
Mágoa Câncer
Ansiedade Úlcera

para enfrentar o problema, a receita é simples e direta: aceite suas emoções, aprendendo a reconhecê-las e a lidar com elas

Quando se agrava

Em termos de assistência, José Atilio Bombana esclarece que, nos casos mais leves de somatização, os clínicos gerais podem dar conta, contanto que se disponham a ouvir esses pacientes e que fujam do excesso de procedimentos.

"Um clínico experiente e tolerante pode ter um papel importante, no sentido de não facilitar que o seu paciente com alguma tendência à somatização se cronifique, para isso deve conversar mais e fazer menos intervenções comprometedoras (pedidos exagerados de exames, indicações questionáveis de cirurgias etc.)", afirma o psiquiatra.

Já nas situações mais graves, crônicas, habitualmente são equipes multidisciplinares (constituídas por psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e fisioterapeutas) que atendem.

Nos quadros importantes de somatização, alerta Bombana, "observamos pacientes que passam a viver em função das doenças, frequentando continuamente serviços médicos, embora habitualmente não se satisfaçam com as orientações dadas".

Como enfrentar

Para a psicóloga Marilda Lipp, a receita é simples e direta.

"Uma maneira adequada é aceitar suas emoções, aprender a reconhecê-las e a lidar com elas. Nada há de errado em chorar, ou expressar que está triste. É importante 'ouvir' o corpo e perceber quando ele não está mais suportando a carga emocional presente."

No entender do psiquiatra José Atilio Bombana, depende da gravidade do quadro.

Se for um sintoma ocasional e passageiro, não há necessidade de maiores preocupações e nem da busca por um tratamento especializado.

Mas, passam a ser frequentes, ou quando um quadro clínico qualquer se torna crônico, e o paciente passa a buscar ajuda médica repetidamente, então uma abordagem especializada, como a psicanálise ou a terapia cognitivo-comportamental (TCC), se faz necessária.


Teste
Saiba se você tem um perfil psicossomático

responda sim ou não às perguntas e verifique se o seu modo de sentir e agir se assemelha ao de pessoas mais suscetíveis a doenças psicossomáticas. Lembre-se de que o diagnóstico preciso deve ser realizado por um psicólogo.


SIM NÃO
1. À vezes choro sem conseguir entender exatamente o porquê.


2. consigo disfarçar muito bem quando estou com raiva.

3. É fácil para os outros perceberem quando estou feliz.

4. Às vezes me pego sonhando acordado.

5. frequentemente acho difícil colocar nome naquilo que sinto.

6. É bom "fantasiar" um pouco sobre as coisas.

7. gosto de conversas objetivas e diretas.

8. frequentemente fico confuso sobre qual emoção estou sentindo.

9. quando me aborreço, já sei que vou me sentir mal fisicamente.

10. As pessoas que eu amo têm dificuldade de entender como me sinto

11. A raiva é o sentimento mais frequente em minha vida.

12. Acho que é uma perda de tempo ficar indagando o porquê das coisas.

13. quando estou nervoso, sinto o nervosismo no corpo.

14. quase não sonho quando durmo.

Resultado:
A) Some um ponto para cada um dos itens abaixo no qual assinalou sim: 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 (Total: )
B) Some um ponto para cada um dos itens abaixo no qual assinalou sim: 3, 4, 5, 6 (Total: )
Agora, calcule A -B = Resultado

Interpretação:
Se o resultado final (no quadrado amarelo) for:

de 0 a 3: Seu perfil não se parece com o de quem sofre de doenças psicossomáticas. Parabéns, você provavelmente é do tipo de pessoa que está em boa sintonia com suas emoções, entende o que se passa dentro de você e se permite sentir uma gama grande de emoções que ocorrem no seu dia-a-dia. de

4 a 7: Você tem algumas indicações de risco para doenças psicossomáticas. A dificuldade de identificar ou nomear as suas emoções pode redundar em algumas manifestações físicas. Aprender a identificar e dar vazão ao que sente pode ajudá-lo a não ter tanto desconforto físico como parece ter frente a problemas que são, na verdade, mais de origem psicológica do que biológica.

mais do que 7: Sua dificuldade de entender o que se passa em seu íntimo, de nomear suas emoções e de admitir o que sente é grande. Seu corpo deve estar mostrando sinais de desgaste diante de tanta emoção reprimida. Vale a pena fazer um trabalho consigo próprio para que possa entender melhor o que sente. recomenda-se procurar ajuda médica.

TESTE ELABORADO PELA PSICÓLOGA MARILDA NOVAES LIPP, DO CENTRO PSICOLÓGICO DE CONTROLE DO STRESS, EM SÃO PAULO.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

I Ching, o livro mais antigo do mundo

Texto José Francisco Botelho

Superinteressante

Nos últimos 3 mil anos os 64 hexagramas chineses foram guia espiritual, manual de governo e fonte para a ciência moderna. Conheça essa misteriosa história.
Zero, um, zero, zero, um, um. Sem esses dois números em combinações intermináveis, o mundo de hoje seria chatíssimo. Eles formam o código binário, usado por todo computador que existe para transmitir trilhões de dados dia a dia, guardar toda uma vida numa caixa postal de email e deixar íntimas pessoas que moram a milhares de quilômetros de distância. Esse sistema foi cunhado no século 18 pelo matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, mas sua origem, segundo o próprio Leibniz, é muito mais antiga. Está em um livro chinês de adivinhação e consulta espiritual que guardaria a verdade universal, seria uma miniatura do infinito e a chave para o funcionamento do Universo: o I Ching , o Livro das Mutações.

Com pelo menos 3 mil anos de existência, o I Ching se baseia na idéia de mutação contínua, regida pela soma das forças cósmicas do yin (a sombra)e do yang (a luz). O livro caminhou junto com a história da China. Ajudou a criar religiões orientais, como o taoísmo, foi a principal fonte de inspiração do pensador chinês Confúcio e serviu como elemento unificador do país durante o século 3 a. C. Também deixou herança não apenas na matemática ocidental. “O I Ching está mais ligado ao inconsciente que à atitude racional da consciência ”, escreveu em 1949 o psicanalista Carl Jung, que usava o livro em sessões de análise. Para o físico Niels Bohr, a obra está na raiz da física quântica, um dos principais pilares da ciência atual. Com você, a história do livro mais antigo do mundo.

A lenda
Certo dia, lá pelo ano 3000 a. C. , Fu Hsi, o primeiro imperador da China, passeava pelas margens do rio Amarelo, no norte do país. Contam as lendas que Fu Hsi não era apenas um soberano sábio, mas também o homem que inventou a escrita, o matrimônio e a arte da costura. Naquele dia, caminhando pela beira das águas, o imperador multimídia fez sua descoberta mais intrigante. No meio do passeio, Fu Hsi viu uma criatura emergir das águas para descansar às margens do rio:corpo de dragão, cabeça de cavalo (os mitos garantem que bichos fabulosos eram corriqueiros na fauna chinesa). Aproximandose, o sábio notou que havia 8 símbolos geométricos inscritos nas costas da criatura. Cada imagem era composta por séries de 3 linhas:algumas inteiras (–), outras partidas (), como você pode observar nestas páginas. No momento em que colocou os olhos neles, o soberano teve uma iluminação divina. Achou que aqueles signos continham a chave para todos os segredos do Universo. Memorizou a seqüência de símbolos –que mais tarde seriam batizados de trigramas e os deixou para seus descendentes e sucessores, com uma dica:quem os estudasse ganharia o poder e o conhecimento sobre todas as coisas.

Em algum momento da Antiguidade, os trigramas foram combinados uns com os outros e deram origem a 64 símbolos formados por 6 linhas –os hexagramas. Ao longo dos séculos, os 64 símbolos ganharam comentários e foram organizados em forma de livros –e os livros guardados a sete chaves nos palácios dos reis e nas bibliotecas de feiticeiros e eruditos. Os chineses levavam ao pé da letra (e alguns ainda levam)a tradição que herdaram de seus ancestrais remotos:naquela obra, estaria a solução para todas as equações do Universo.

Segundo historiadores antigos, como o chinês Sima Quien, que viveu uns 200 anos antes de Cristo, o I Ching teve 4 autores –e Fu Hsi foi apenas o primeiro deles. Hoje, a maior parte dos estudiosos coloca em dúvida a existência de Fu Hsi. “Quando atribuem a ele a origem dos hexagramas, os chineses querem dizer, simplesmente, que os símbolos são mais antigos que toda a memória histórica ”, escreve o sinólogo alemão Richard Wilhelm, no prefácio de sua tradução do I Ching , publicada na Europa em 1923. Entre 3000 e 2000 a. C. , os 64 hexagramas foram compilados em forma de livro na época, um “livro ”era um feixe de tábuas de bambu amarrados pela extremidade, já que o papel só surgiria na China durante o século 2. Nessa forma, o “livro ”passou com registros históricos confiáveis à 1 ªdinastia –os Shang, que reinaram de 1600 a. C. a 1070 a. C.

Em diversos impérios que ocupavam o território da atual China, ninguém questionava o poder dos hexagramas –mas a maneira de interpretar sua sabedoria oculta variou imensamente. O significado dos trigramas era relativamente simples:cada um representava, ao mesmo tempo, uma característica da natureza (céu, terra, trovão, água, montanha, vento, fogo e lago)e um traço da psique (criatividade, abrigo, agitação, melancolia, constância, flexibilidade, iluminação, serenidade).

Dois símbolos combinados, por outro lado, eram enigmáticos. Muitas das interpretações inventadas para decifrálos foram acrescentadas ao livro –o I Ching , como o conhecemos hoje, são os 64 símbolos misteriosos mais um calhamaço de comentários feitos durante 6 séculos, pelo menos. O problema é que as tais explicações, na maior parte das vezes, são tão confusas que só aprofundam o mistério. Exper mente, por exemplo, abrir o livro logo na primeira página – você vai encontrar um hexagrama chamado Chien (“O criativo ”). Logo abaixo, diversas interpretações escritas em forma de verso, por volta do século 11 a. C. Primeiro, uma frase corr queira:“Sucesso. A perseverança recompensa ”. Logo adiante, o seguinte imbróglio: “Vôo hesitante sobre as profundezas. Subitamente, você vê uma revoada de dragões sem cabeça ”. Deu para sentir o drama, não?

Yin e yang

Apesar da dificuldade de entender esses provérbios, chineses de todas as classes –desde os plebeus que aravam os campos até os reis e generais que comandavam exércitos –consultavam o livro na hora do aperto. A consulta seguia um ritual complicado:50 caules de uma planta chamada milefólio eram várias vezes chacoalhados e lançados sobre uma mesa (veja ao lado). A posição das varetas dava origem a uma seqüência numérica que por sua vez indicava um dos 64 hexagramas. E os sábios chineses interpretavam cada um como conselho divino, uma chave para entender os acontecimentos presentes e a melhor maneira de agir no futuro.

A filosofia chinesa encarava o Universo como uma massa de energia em constante transformação –e os 64 símbolos seriam retratos de padrões cósmicos que se repetem e se alternam constantemente. Esses padrões ou estágios de metamorfose ocorrem tanto na mente humana e nas relações sociais quanto nos fenômenos da natureza –ou seja, abarcam tudo, desde os problemas domésticos de um camponês até o movimento das galáxias. Daí o primeiro nome do livro, que na época era apenas I , “Mutações ” .

Para entender a essência de cada hexagrama, é preciso desmontálo:a chave dos símbolos está nas linhas que os compõem. “Linhas inteiras representavam o céu, enquanto linhas interrompidas indicavam a terra ”, explica o monge budista Gustavo Alberto Corrêa Pinto, que traduziu o I Ching para o português na década de 1980. Na China antiga, acreditavase que a Terra estava parada no centro do Universo, enquanto o céu, com seu séquito de constelações, nuvens, pássaros e meteoros, moviase ao redor dela. Do céu vinham a luz e a chuva, que fecundavam o solo e davam origem à vida. Por isso, a linha inteira significa o elemento ativo, luminoso, masculino do Universo;a linha quebrada era o feminino, o escuro, o repouso.

Com o tempo, essas energias opostas, mas complementares, ganharam nomes próprios (e foi com esses nomes que se tornaram notórias no Ocidente, milhares de anos depois):yang e yin. As duas palavras significam, literalmente, o lado sombrio e o lado iluminado de uma montanha. Em termos filosóficos, elas simbolizam todos os opostos que formam o mundo. Cada hexagrama seria uma combinação de luz e sombra, macho e fêmea, ação e imobilidade, ímpeto e paciência, yin e yang –formando uma dança cósmica de opostos que rege o Universo.

Até os tempos da dinastia Shang (por olta dos séculos 18 a 11 a. C. ), os adivinhos que estudavam o I não colocavam suas interpretações por escrito. O livro era só uma coleção muda de símbolos mágicos, sem nenhuma notinha de rodapé. Os primeiros textos explicando a natureza de cada “mutação ”foram compostos nos últimos anos da dinastia Shang, em meio a intrigas políticas e guerra civil.

Segundo a lenda, Chou Hsin, o último imperador Shang, que reinou em meados do século 11 a. C. , era famoso como pinguço pro erbial e temido por sua terrível crueldade. Os nobres do reino, cansados dos seus shows de horrores, tramaram a queda do déspota. O líder da conspiração era um certo conde Wen, que go ernava uma província no noroeste da China (por coincidência, a região tinha o mesmo nome do soberano doido Chou). Durante algum lapso de sobriedade entre suas ressacas homéricas, o imperador foi informado da tramóia. Não deu outra:Wen foi preso e jogado no calabouço. Nas sombras da prisão, o conde rebelde se tornou o segundo autor do Livro das Mutações.

Os primeiros textos

Wen aparece nas lendas como um sábio versado nas artes da profecia. Segundo o historiador Ma Rong, do século 2, o conde passava o tempo na prisão meditando sobre o significado dos símbolos. Resol eu preservar suas interpretações para a posteridade:batizou cada hexagrama com um nome, resumindo suas características essenciais. O primeiro hexagrama, formado apenas por linhas inteiras ou yang, chamouse Chien, o criativo. O segundo, só com linhas quebradas ou yin, foi batizado de Kun, o receptivo. Os demais símbolos, que são uma salada mista de yang e yin, ganharam nomes como Conflito, Paz, Estagnação e assim por diante. Além disso, Wen escreveu textos em forma de poemas, que mais tarde foram acrescentados ao corpo do livro, com o nome de Julgamentos –e lá estão até hoje. Os ersos de Wen contêm conselhos curtinhos –dignos daquelas mensagens em biscoitinhos da sorte ou horóscopos. O texto do hexagrama 4, por exemplo, diz:“Se você é sincero, terá luz e sucesso ”.

Após 7 anos de prisão, Wen voltou a ver a luz do dia. Assim que botou os pés fora da cadeia, passou a conspirar contra o soberano Chou. Retornou à província de Chou, reuniu exércitos, cativou a lealdade do po o. E, por olta de 1180 a. C. , declarou guerra ao imperador. Seus exércitos marcharam contra a capital Youli, mas não rápido o bastante:Wen, que estava velhinho, morreu antes de sentir o gosto da vitória. Os louros couberam a seus filhos, Wu e Dan. Ambos aniquilaram as forças imperiais em batalhas tão violentas que, segundo a lenda, rios de sangue correram pelos campos da China. Chou Hsin foi cercado na capital;endo que tudo estava perdido, resol eu partir em grande estilo e tocou fogo no próprio palácio. Morreu queimado – com todo seu harém.

Os conquistadores inauguraram uma nova dinastia –que, em homenagem à região, chamouse Chou. Nos anos seguintes, a China foi governada por Dan, conhecido como duque de Chou. A ligação com o Livro das Mutações devia correr mesmo no sangue da família:enquanto organizava o reino e combatia rebeldes, Dan seguiu os passos do pai e escreveu mais uma batelada de interpretações para os hexagramas. O terceiro autor do I Ching é bem mais obscuro que o segundo. Os textos do duque de Chou (acrescentados ao livro com o título de Imagens)hoje soam quase psicodélicos. Aquelas linhas sobre revoada de dragões sem cabeça, que ocê encontrou no início da reportagem, são assinadas por ele. Outras pérolas:“Erga o bastão de jade;alguma coisa vai cair do céu ”(no hexagrama 44);“A raposa espia:ela ê porcos enlameados se aproximando e uma carroça cheia de fantasmas ”(hexagrama 38). Frases que não fariam feio em uma música de Bob Dylan ou num poema dadaísta.

Com o tempo, a língua chinesa mudou, e aqueles ersos em estilo arcaico tornaramse enigmáticos para os próprios chineses. Todas as passagens que reproduzimos aqui, a propósito, são traduções aproximadas. “Depois de alguns séculos, ninguém tinha a menor idéia do que os Julgamentos e as Imagens realmente significavam. Os textos eram tão ambíguos que praticamente qualquer interpretação podia ser dada a eles ”, escreve o lingüista britânico Richard Rutt no livro Zhouyi:The Book of Changes , de 2002 (“I Ching:O Livro das Mutações ”, sem edição no Brasil). Hoje, há tantas explicações para as charadas de Wen e Dan quanto há tradutores e estudiosos do I Ching.

O sinólogo Steve Marshall, também britânico, acredita que o enigma tem uma explicação relativamente simples:os ersos confusos seriam referências cifradas a fatos históricos. Exemplo disso é uma linha que o duque de Chou compôs para o hexagrama 55:“O arado é visto ao meiodia ”. Segundo Marshall, o tal varado ”era o nome dado pelos chineses a um grupo de 7 estrelas que integra a constelação da Ursa Maior. O texto indicaria um eclipse total do Sol por volta do ano 1070 a. C. , que teria escurecido toda a China e feito com que as estrelas brilhassem em pleno dia. Antigas tradições dizem que a queda dos Shang foi anunciada por apavorantes fenômenos naturais na terra e no céu, sinal da ira divina contra o imperador louco –e Marshall acredita que o verso do duque celebra o fato. Os textos do I Ching seriam, portanto, uma espécie de livro de história codificado. “Ele tem uma narrativa oculta por trás de muitas de suas sentenças enigmáticas ”, escreve ele na obra The Mandate of Heaven:Hidden His ory in the I Ching, de 2001 (“O Mandamento Divino:A História Oculta no I Ching ”, também sem edição brasileira).

A vez de Confúcio

Os descendentes do conde Wen governaram a China até o século 3 a. C. Foi uma época de ouro:a literatura floresceu, as artes se refinaram. Por volta do século 6 a. C. , os hexagramas e suas interpretações já eram considerados o maior clássico da China –ainda que a maior parte das pessoas não entendesse seu significado. A dinastia Chou adotou o livro como uma espécie de manual de governo –tanto que, na época, a obra ganhou um segundo nome, ChouI , “Mutações dos Chou ”. Para entender os conselhos de seus prolixos ancestrais, os Chou precisavam de intérpretes bem gabaritados:na corte, havia uma ordem de xamãs cuja especialidade era tirar conselhos administrativos dos hexagramas. Embora o uso “mágico ”seguisse em alta, intelectuais chineses voltaram sua atenção para o lado filosófico do livro, deixando de lado o que achavam pura superstição. O grande responsável por essa transição foi, precisamente, o maior filósofo chinês de todos os tempos:Kung Fu Tsé, que no Ocidente ficou famoso pelo apelido latinizado, Confúcio.

Confúcio, que nasceu em 531 a. C. , não era um sujeito supersticioso. Mesmo assim, ele passava horas e horas lançando as varetas de milefólio e estudando os hexagramas. “O I Ching o deliciava ”, afirma Sima Quien em uma biografia escrita 400 anos mais tarde. Confúcio dedicou boa parte da vida à organização e crítica dos grandes clássicos da literatura chinesa, que na época andavam meio espalhados em tomos caóticos. Colocou as obras em ordem e acrescentoulhes capítulos e comentários. O resultado é a coleção chamada Seis Clássicos Confucianos – obra que todo candidato a sábio devia saber na ponta da língua. Nos séculos seguintes, a leitura dos Seis Clássicos seria requisito para quem quisesse fazer concursos públicos e trabalhar no governo. E o primeiro título da lista, adivinhe qual era?Sim:as Mutações de Chou , que Confúcio rebatizou com o nome que traz até hoje, I Ching .

Segundo Sima Quien, Confúcio foi o quarto autor do I Ching . Escreveu copiosas interpretações para os versos do clã Chou –mais tarde, esses comentários ganhariam o nome de Dez Asas . Ele não buscava oráculos para o futuro nem receitas para tirar ouro da cartola. Era, antes de mais nada, um moralista:acreditava que uma sociedade perfeita só seria construída quando todos os membros de uma nação se esforçassem por cultivar a ética individual. “Nas 64 situações descritas no livro, ele procurava indicações sobre a maneira mais moral de agir em determinadas circunstâncias ”, explica o sinólogo Mário Spoviero, da USP

Por exemplo:Confúcio viu no primeiro hexagrama, formado apenas por linhas sólidas, um emblema das 4 maiores virtudes da ética chinesa –amor, respeito à tradição, justiça e sabedoria. Quem encarnasse o hexagrama Chien seria o homem ideal para erguer impérios. “Ele se eleva acima da multidão de seres e todas as terras se unem em paz ”, escreveu Confúcio.

Os anos passaram, a glória dos Chou ficou para trás e outras dinastias se seguiram –mas o I Ching permaneceu impávido. Na Idade Média (por volta do ano 1070), um filósofo chamado Shao Yong criou uma disposição alternativa para os hexagramas, começando por Kun, o receptivo, e terminando por Chien, o criativo. Segundo ele, essa ordem seguia uma seqüência matemática mais precisa e era a disposição correta segundo os desígnios dos deuses. Séculos depois, a “ordem de Shao Yong ”serviu de passaporte para que o I Ching migrasse da filosofia antiga para os braços da ciência moderna.

O I Ching e a ciência moderna

Hoje, o interesse dos ocidentais pelo I Ching pode ser explicado pelo fenômeno conhecido como pósmodernismo. Em vez de seguir religiões tradicionais que fornecem verdades únicas, cada vez mais se opta por crenças exóticas, sem normas rígidas e que não exigem engajamento. Traços da cultura oriental, como o budismo, o yoga e o I Ching , entram nessa onda, assim como o Santo Daime e seitas neopentecostais. “Desponta um novo caminho da religião que, em muitos aspectos, se afasta dos moldes tradicionais ”, afirma o teólogo José Queiroz, da PUCSP

O contato entre os fenômenos sagrados do Oriente e do Ocidente começou no século 16, quando missionários jesuítas começaram a viajar à Ásia para catequizar os “pagãos ”. Pouco a pouco, notícias fragmentadas sobre as estranhas maravilhas da cultura chinesa começaram a pingar no nosso lado do planeta.

O primeiro grande cientista europeu a se interessar pela civilização da China foi um cortesão, diplomata e acadêmico alemão do século 17:Gottfried Wilhelm Leibniz (16421727). Numa época em que a maioria dos ocidentais nem sabia onde ficava a China, Leibniz tinha uma fonte privilegiada de informações sobre o país –era amigo de um jesuíta francês chamado Joachim Bouvet. Em uma das cartas que enviou a Leibniz de Pequim, por volta de 1699, Bouvet falou de certo livro antiqüíssimo, que segundo os chineses continha a chave para o conhecimento de todas as coisas. Essa era a idéia típica da ciência do século 17:que havia uma chave, uma teoria que explicaria todo o funcionamento do mundo. Em anexo, o jesuíta presenteou o amigo com uma cópia dos 64 hexagramas de Fu Hsi, arranjados na seqüência de Shao Yong.

“Quando viu os símbolos do I Ching , Leibniz ficou quase alucinado, pois sempre havia sonhado com uma ciência que abarcasse todo o Universo ”, conta o sinólogo Spoviero. Leibniz tratou de procurar ligações entre o I Ching e suas próprias investigações científicas. E não é que encontrou?Alguns anos antes, Leibniz havia inventado o sistema binário –aquele que utiliza apenas combinações variáveis de dois dígitos, 0 e 1, para representar todos os números. Sem esse sistema, a civilização digital de hoje em dia não existiria. Após examinar os signos enviados por Bouvet, Leibniz se convenceu de que os 64 hexagramas, na verdade, eram uma primitiva tabela binária. Basta substituir as linhas inteiras pelo dígito 1, e as quebradas pelo 0 –e, em vez de grupos geométricos, surge uma seqüência de números binários com 6 dígitos. Kun tornase 000000 –o equivalente binário ao número 0 –;Chien, no fim da tabela, vira 111111 – ou seja, 63. Um rudimento neolítico de ciência da computação.

Pode ser só coincidência matemática –assim como as complicadíssimas semelhanças entre os 64 hexagramas e as 64 possíveis combinações de proteínas do código genético, deslindadas pelo alemão Martin Schonberger em The I Ching and the Genetic Code , de 1973 (“O I Ching e o Código Genético ”, sem tradução no Brasil). Também há coincidência entre o I Ching e a física quântica, que estuda o comportamento da matéria na escala microscópica, ou seja, os átomos e seus pedacinhos –prótons, nêutrons, elétrons. Até o começo do século 19, a ciência ocidental era dominada pela doutrina da física “mecanicista ”:a matéria era vista como algo morto, imutável. Toda mudança que ocorria no mundo seria resultado de leis criadas por Deus, impostas de cima para baixo, exteriores ao próprio Universo. No século 19, surgiu a idéia de que o mundo sofre um progresso linear, idéia que acabou celebrizada na Teoria da Seleção Natural de Darwin.

No início do século 20, com os estudos de cientistas como Albert Einstein, James Maxwell e Niels Bohr, a coisa ficou ainda mais parecida com o I Ching . As novas teorias pintaram um Universo parecido com o proposto pelos místicos chineses. Os físicos do século 20 descobriram que as partículas que compõem a matéria estão em perpétua transformação:prótons se convertem em elétrons que se convertem em nêutrons, e assim por diante. O Universo não é algo estático, mas uma massa de energia em constante transformação, uma teia de processos infinitos e dinâmicos –ou mutações. E mais: o fluxo de metamorfoses que domina o mundo subatômico e forma tudo o que existe é regido pela dança de opostos. Os elétrons de carga negativa giram em torno dos núcleos de carga positiva, formando o átomo e o Universo.

Niels Bohr (18851962), um dos pais da física quântica, sabia das semelhanças entre sua ciência e certo livro antigo da China. Tanto que, após uma viagem ao Oriente em 1937, incluiu no brasão de armas de sua família o taichi – aquela esfera metade escura, metade clara, símbolo da interação entre yin e yang. “Lendo o I Ching , ele se inspirou para elaborar muitos conceitos fundamentais da física quântica ”, escreve o biólogo molecular Johnson Fa Yan em O DNA e o I Ching . Bohr ajudou a derrubar a noção de que as leis que regem o Cosmos são independentes da matéria –em vez disso, hoje se acredita que essas leis emanam da própria energia em mutação que forma o mundo. Idéia que pode ser resumida no seguinte lema:“As leis naturais não são forças externas às coisas, mas representam a harmonia e o movimento inerente às próprias coisas ”. Note bem:essa frase não saiu de um livro de física. É um trecho do I Ching.

1. CH'IEN - O CRIATIVO
2. K'UN - O RECEPTIVO
3. CHUN - A DIFICULDADE INICIAL

4. MENG - A INEXPERIÊNCIA

5. HSU - A ESPERA
6. SUNG - O CONFLITO

7. SHIH - O EXÉRCITO

8. PI - A UNIÃO

9. HSIAO CH'U - A FORÇA DO FRACO

10. LU - A CONDUTA
11. T'AI - A PAZ

12. PI - A ESTAGNAÇÃO
13. TUNG JÊN - A FRATERNIDADE

14. TA YU - A GRANDE FORÇA
15. CH'IEN - A HUMILDADE
16. YU - O ENTUSIASMO

17. SUI - O SEGUIR
18. KU - A REAÇÃO

19. LIN - A APROXIMAÇÃO
20. KUAN - A CONTEMPLAÇÃO
21. SHIH HO - A MORDIDA
22. PI - A BELEZA
23. PO - A DESINTEGRAÇÃO
24. FU - O RETORNO
25. WU WANG - A SIMPLICIDADE
26. TA CH'U - A FORÇA DO FORTE
27. I - O ALIMENTO
28. TA KUO - O IMPÉRIO DOS FATOS

29. K'AN - O ABISMO
30. LI - A LUZ
31. HSIEN - A ATRAÇÃO
32. HENG - A DURAÇÃO
33. TUN - A RETIRADA
34. TA CHUANG - O PODER
35. CHIN - O PROGRESSO
36. MING I - O OBSCURECIMENTO
37. CHIA JEN - A FAMÍLIA
38. K'UEI - A OPOSIÇÃO

39. CHIEN - O OBSTÁCULO
40. HSIEH - A LIBERAÇÃO

41. SUN - A PERDA
42. I - O ACRÉSCIMO
43. KUAI - A DECISÃO

44. KOU - O ENCONTRO
45. TS'UI - A REUNIÃO

46. SHÊNG - A ASCENSÃO

47. K'UN - A OPRESSÃO

48. CHING - O POÇO
49. KO - A REVOLUÇÃO
50. TING - O CALDEIRÃO

51. CHÊN - O TROVÃO
52. KÊN - A PARADA
53. CHIEN - O DESENVOLVIMENTO
54. KUEI MEI - A JOVEM QUE SE CASA
55. FÊNG - A PLENITUDE
56. LÜ - O VIAJANTE

57. SUN - O VENTO QUE PENETRA

58. TUI - A SERENIDADE
59. HUAN - A DISPERSÃO

60. CHIEH - A LIMITAÇÃO
61. CHUNG FU - A SINCERIDADE

62. HSIAO KUO - O AVANÇO DO PEQUENO
63. CHI CHI - APÓS A CONCLUSÃO
64. WEI CHI - ANTES DA CONCLUSÃO

O método tradicional de consulta envolve 50 caules de milefólio – uma planta sagrada na China, que também era usada para fazer poções do amor. A consulta com os caules é complicada e lenta, mas existe um método mais simples. Em vez de 50 varetas exóticas, ele requer apenas 3 moedinhas das mais comuns.

1. Sente-se voltado para o sul, de pernas cruzadas, respirando fundo. Isso tudo é mero ritual serve para aguçar a concentração, relaxar a alma etc. Se você é do tipo impaciente ou se tem alergia a incenso, não tenha pruridos e pule logo para o próximo item.

2. Tire 3 moedas iguais da carteira. Mentalmente, faça uma pergunta ao I Ching . As perguntas devem ser específicas, diretas e sérias. Nada de “qual é o sentido da vida?” ou “o que eu vou almoçar amanhã?” Chacoalhe as moedas e deixe--as cair sobre uma superfície lisa e rígida.

3. Olhe as moedas jogadas e faça um cálculo simples:cara é igual a 3, coroa é igual a 2. Some o número equivalente a cada moeda. O resultado será 6, 7, 8 ou 9. Anote o número no seu caderninho.

2+2+2=6

4. Terminada a operação, faça tudo de novo outras 5 vezes, sempre anotando o resultado. O hexagrama vai sendo montado de baixo para cima:a primeira conta vai definir a última linha do hexagrama, a segunda a penúltima e assim por diante.

6) 3+2+3=8

5) 3+2+3=8

4) 3+3+3=9

3) 2+2+2=6

2) 2+2+3=7

1) 2+2+2=6

5. No seu caderno, você terá uma seqüência de 6 números. Transformá-la em um hexagrama é fácil:9 e 7 devem ser trocados por uma linha inteira (yang);6 e 8, por uma linha partida (yin). (Como no fim há apenas duas formas de linhas, a conta poderia ser feita com apenas uma moeda. Utilizam-se 3 para definir padrões mais avançados dos trigramas. )

6. Procure o hexagrama obtido na tabela do I Ching (disponível no site www. superinteressante. com. br)e leia os textos referentes. Os chineses os interpretam como um conselho do Universo em relação a determinado problema. A questão é que o Universo, aparentemente, tem um certo gosto por falar em enigmas. Interpretá-los e desvendá-los é tarefa sua. Boa sorte.
= Hexagrama 40 - As dificuldades começam a desaparecer. aquele que for paciente e tolerante conquistará a paz. Quem é sábio perdoa e esquece.

Séculos 30 a 11 a. C.

CHINA - Descobertas arqueológicas mostram que a civilização chinesa surgiu nessa época, no vale de Henan, centro do país. É quando aparece a agricultura, a escrita, a divisão de tarefas e até mesmo usinas rudimentares e fundição para fazer objetos e esculturas de bronze.

I CHING - Segundo a lenda, Fu Hsi encontra 8 símbolos (os trigramas)nas costas de um dragão, às margens do rio Amarelo, por volta de 3000 a. C. Uma variante do mito conta que o imperador compôs os signos a partir de observações da natureza.

Séculos 11 a 3 a. C

CHINA - O território chinês é ocupado por diversos reinos pequenos que freqüentemente lutam entre si. Com a dinastia Chou, surgem condições para a unificação dos reinos. Começa um período de força cultural e filosófica, representado pelo filósofo Confúcio.

I CHING - Ganha interpretações dos seus 3 escritores históricos: o conde Wen, criador da dinastia Chou, seu filho, o duque de Chou, e o filósofo Confúcio. Nessa época, o I Ching se torna também uma espécie de manual utilizado pelos administradores do governo.

Séculos 3 a. C. a 2

CHINA - Os reinos são unificados, dando início à dinastia Qin. O imperador Qin Shi Huangdi é o primeiro da China unificada. Ele organiza o calendário, o sistema de escrita e inicia a Muralha da China. Ao morrer, é enterrado com 6 mil estátuas de terracota, os guerreiros de Xi ’an.

I CHING - O imperador Qin manda queimar todos os livros e registros que não sejam sobre a sua dinastia. Mesmo assim, o I Ching sobrevive misteriosamente, ao contrário de vários textos importantes para a época, como alguns escritos pelo filósofo Confúcio.

Séculos 2 a 16

CHINA - As poderosas dinastias Han, Tang e Song protagonizam períodos de conflito e união. A China se torna uma das civilizações mais avançadas da época. Mas, no século 14, os mongóis conquistam o país: Kublai Khan, neto de Gêngis Khan, passa a governá-lo.

I CHING - Torna-se o clássico absoluto da civilização chinesa. Não serve apenas como um manual de adivinhação: vira uma explicação para tudo o que existe. No Ocidente, no entanto, ele continua sendo um ilustre desconhecido.

Séculos 16 a 18

CHINA - A dinastia Ming expulsa os mongóis. Enquanto isso, a Igreja Católica envia missionários da ordem dos jesuítas à China, que ficam fascinados pela cultura do país. A navegação se desenvolve e a Cidade Proibida, em Pequim, é construída.

I CHING - Pelas mãos dos jesuítas, o I Ching chega à Europa junto com os vasos Ming, que viram peças de coleção dos reis europeus. Na onda de artefatos exóticos chineses, a obra atrai eruditos como o cientista Wilhelm Leibniz. É o início do namoro entre o livro e o Ocidente.

Século 20

CHINA - Um levante popular derruba a dinastia Qing, a última da história da China. Em 1949, os comunistas estabelecem a República Popular da China, governada com mão de ferro e vigorando até hoje, apesar da aproximação cada vez maior do país com o capitalismo.
I CHING - Os comunistas banem o livro, que, apesar disso, continua sendo consultado em segredo. Anos depois, ele é reabilitado. No Ocidente, o I Ching vira superstar, assim como outras manifestações orientais. Inúmeras traduções surgem nas principais línguas ocidentais.

Depois do século 5 a.C., o I Ching deixou de ser só um manual de profecias e ganhou o título lisonjeiro de “clássico confuciano ”. No século 20, essa relação ambilical com o filósofo mais famoso da China se tornou perigosa e quase levou o I Ching à extinção. Em 1949, quando o Partido Comunista subiu ao poder, Mao Tsé-tung, ditador todo-poderoso, decidiu que a filosofia e a espiritualidade da antiga China imperial deviam ser ceifadas pela foice e o martelo da revolução. Nenhuma obra devia fazer sombra ao Livro Vermelho – a cartilha ideológica escrita por Mao. Confúcio foi uma das vítimas favoritas dessa caça às bruxas: sua filosofia foi declarada “burguesa ” e “contra-revolucionária ”, dois palavrões horrorosos para regimes comunistas ao redor do mundo. Em 1966, o governo mandou apreender e queimar todos os livros relacionados ao velho Mestre Kung – e o I Ching entrou na lista negra. Agentes do governo confiscavam exemplares da obra às centenas e prendiam quem ousasse escondê-los. Mas, nas aldeias remotas, em cabanas perdidas nas montanhas ou em redutos secretos das grandes cidades, as varetas de milefólio continuaram a ser lançadas, como acontecera nos milênios anteriores. “Atacado, proibido e perseguido, o I Ching só não desapareceu na China por ter sido preservado na clandestinidade, pelo uso popular ”, conta o monge budista Gustavo Alberto Corrêa Pinto. Vendo que não podia vencer seus inimigos, o Partido Comunista resolveu unir-se a eles: na década de 1980, os governantes do país tiraram o confucionismo da ilegalidade e propuseram uma mescla entre os ensinamentos de Confúcio e Karl Marx. O I Ching saiu do índice dos livros proibidos e voltou ao panteão dos clássicos chineses.

Sentado no chão do pátio, à sombra de uma pereira centenária, o sábio lança varetas e consulta os oráculos do I Ching. Dia após dia, durante horas e horas, sem se cansar. “O Livro das Mutações é um ser vivo e em suas respostas podemos notar a marca de uma personalidade distinta ”, escreveu aquele intelectual alguns anos mais tarde, relatando suas experiências com o clássico. A cena descrita acima não se passa na China antiga, mas em um pequeno castelo na cidadezinha de Bollingen, na Suíça, durante o verão de 1920. O sábio sentado no chão é o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, um pioneiro no estudo do inconsciente humano no século 20. Jung, que de cético não tinha nada, acreditava que a mitologia e as religiões da Antiguidade podiam ajudar o homem a conhecer melhor sua própria alma. O psiquiatra sempre se interessou por filosofia oriental – mas foi nas férias de verão de 1920 que começou a lançar as varetas proféticas. Foi amor à primeira consulta. Encontrei relações cheias de sentido entre o que diziam os textos dos hexagrmas e meus próprios pensamentos – fato que eu não conseguia explicar a mim mesmo ”, conta Jung no livro Memórias, Sonhos, Reflexões. O fascínio do I Ching levou Jung a formular a teoria da “sincronicidade ”, segundo a qual, em determinadas ocasiões, paralelos emergem entre o mundo da mente e o mundo real – paralelos que, , segundo ele, a civilização ocidental chama de “mera coincidência ”. Para Jung, a coincidência não deve ser desprezada:o acaso, muitas vezes, faz sentido. A indicação de um determinado hexagrama pelo lançamento de varetas ou moedas pode parecer algo aleatório, mas também pode iluminar elementos ocultos no inconsciente de quem faz a consulta. Mesmo quando o sentido das frases é ambíguo e rarefeito, o simples ato de refletir sobre elas pode levar o paciente ao autoconhecimento. Jung testou sua teoria no consultório. Certa vez, tratava um jovem com complexo de Édipo que pretendia casar com uma mulher que lhe lembrava profundamente a própria mae. O psiquiatra sugeriu que o paciente consultasse o I Ching – e o texto o hexagrama resultante era o seguinte: “A jovem é poderosa; não se deve casar com uma jovem assim ”. Pura coincidência? Talvez sim. Mas a terapia funcionou.

I Ching –Princípios,Prática e Interpretação - Jean Schlumberger,Pensamento,2003

www.uol.com.br/iching - Versão online do livro mais antigo do mundo

The Mandate of Heaven - Steve Marshall,Columbia University Press,2001

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Escolher exercício certo ajuda a tratar problemas de saúde

IARA BIDERMAN
colaboração para a Folha de S.Paulo

Pratique uma atividade física. Na saúde e na doença.
"Fazer exercícios, em geral, não é contraindicado no caso de doenças. Pelo contrário: os estudos apontam que a qualidade de vida e os parâmetros dos distúrbios melhoram", diz Benjamin Apter, ortopedista do Departamento de Geriatria da USP (Universidade de São Paulo) e diretor da academia B-Active, em São Paulo.

Mas a regra não é tão clara. Enquanto alguns exercícios podem ser ruins para certas doenças, outros beneficiam o paciente. Embora o exercício não seja remédio, bem direcionado ele faz parte do tratamento.

"A atividade física regular deve estar incluída no cuidado de doenças de homens e mulheres de todas as idades", diz Cesar Jardim, supervisor do check-up do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo.

Para isso, além das condições individuais, deve-se avaliar o estado do distúrbio e as variáveis de cada atividade física. Em certos casos de artrose ou lombalgia, por exemplo, o risco de lesão pode superar o benefício genérico de combater o sedentarismo, também considerado doença pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Já se a ideia é controlar a osteoporose, atividades sem impacto são benéficas para várias questões, mas não contribuem para a densidade óssea.

Para saber qual atividade pode trazer mais benefícios e menos riscos para certas condições de saúde, a Folha entrevistou dez especialistas e selecionou os exercícios especialmente indicados em cada caso.

ASMA

Inflamação crônica das vias respiratórias, a asma geralmente é uma resposta alérgica a determinados estímulos. A inflamação dificulta a passagem de ar nos pulmões, diminuindo a capacidade pulmonar e encurtando os músculos envolvidos na respiração. O exercício não atua especificamente na inflamação ou na alergia, mas fortalece os músculos respiratórios e reeduca a respiração. "O fortalecimento da musculatura respiratória promovido pela natação aumenta a capacidade de reagir às crises asmáticas. Para nadar, também é necessário respirar da forma correta, o que aumenta a capacidade de oxigenação dos pulmões", diz William Urizzi de Lima, supervisor da metodologia Gustavo Borges de natação formativa. O meio úmido também é indicado: "Realizar exercícios quando o ar está muito seco pode induzir a crise [de asma]", afirma Lazzoli, da SBME.

Natação

Precauções
Evitar locais com pouca ventilação, onde a concentração de gases produzidos pelo cloro pode desencadear alergias respiratórias. A intensidade do exercício deve ser controlada para diminuir o risco de broncoespasmo (contração reversível da musculatura dos brônquios) induzido por exercício. Não realizar a atividade durante inflamação aguda das vias respiratórias

Modo de usar
Como em outras atividades aeróbicas, o iniciante deve começar com um treinamento de baixa intensidade e ir aumentando progressivamente essa intensidade de acordo com o aumento da capacidade cardiorrespiratória. Os exercícios específicos de respiração (como treinar a expiração debaixo d'água) são essenciais, mas não devem ser feitos seguidamente por períodos longos

Opções de atividades
Corrida, que também aumenta a capacidade pulmonar; ioga, com ênfase nos exercícios respiratórios ("pranayamas"), que reeducam a respiração
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ARTROSE


O processo degenerativo de desgaste da cartilagem da artrose está relacionado principalmente ao envelhecimento, a problemas congênitos ou a traumatismos e sobrecarga nas articulações. Essa degeneração do tecido provoca dor, limitação de movimentos e, em estágio avançado, deformação do osso, e afeta especialmente articulações como os joelhos. A atividade física adequada, embora não atue nas causas hereditárias ou evite a ação do envelhecimento, pode reduzir danos e adiar a progressão da doença, além de evitar a sobrecarga articular. "Todos os estudos mais recentes apontam para o fortalecimento muscular, que estabiliza as articulações", afirma o ortopedista Benjamin Apter. É importante que a atividade não cause impacto nem sobrecarga na articulação. "Dependendo do grau de acometimento das articulações afetadas, iniciamos [o programa de exercícios] com isométricos [contração do músculo sem movimento da articulação] suaves e intervalados, para depois introduzir os exercícios isotônicos, com carga adequada", diz.

Musculação em aparelhos

Precauções
A atividade não deve buscar a hipertrofia (aumento da massa muscular), mas sim a tonificação dos músculos. Mesmo com cargas baixas, a repetição frequente do movimento pode causar adaptações musculoesqueléticas indesejáveis se a execução não for feita de forma correta, por isso é preciso orientação e supervisão individualizada de um profissional capacitado

Modo de usar
Os aparelhos de musculação devem estar perfeitamente ajustados a condições individuais como altura, peso e limites de flexibilidade e força de quem vai utilizá-los. As cargas começam baixas e chegam até o limite chamado submáximo (70% da capacidade máxima de força do indivíduo). São feitos intervalos de um a dois minutos entre cada série

Opções de atividades
Ciclismo em terreno plano com regulagem adequada do selim (mais elevado e um pouco mais para a frente), de forma a não forçar a articulação do joelho e causar dor
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CÂNCER

O tratamento quimioterápico para o câncer diminui as massas muscular e óssea e a capacidade cardiorrespiratória, entre outros efeitos. Ao minimizar essa perda, a atividade física contribui para o aumento da qualidade de vida do paciente oncológico. Por causa das limitações causadas pela doença e pelo tratamento, só deve ser feita com um orientador que esteja em contato com o médico responsável. Segundo o preparador físico Rodrigo Ferraz, que oferece treinamento para pacientes com câncer na Academia Vita, em São Paulo, o ideal é um programa que alterne o trabalho de força, o de flexibilidade e o aeróbico em baixa intensidade. A atividade em grupo é indicada, pois oferece apoio social ao paciente, mas esse deve ser pequeno, para que sejam observados os limites individuais. O grupo e o treinador são importantes para estimular a atividade física em quadros de fadiga (efeito comum do tratamento), garantindo a aderência ao programa de exercícios.

Aeróbica + musculação + alongamento

Precauções
O treinador, o paciente e o médico devem ficar sempre em contato, trocando informações para garantir a segurança e a eficácia da atividade. É preciso levar em conta a fadiga causada pelo tratamento para adequar o tempo de execução de cada atividade. Em caso de lesões cirúrgicas, é preciso limitar o trabalho na região afetada. Em todos os casos, a carga usada no trabalho muscular deve ser baixa, para evitar lesões musculares ou articulares em tecidos enfraquecidos pelo tratamento. O impacto também deve ser minimizado. Pacientes em tratamento quimioterápico devem fazer o controle constante do nível de hemoglobina no sangue -se estiver muito baixo, a atividade deve ser suspensa

Modo de usar
As atividades aeróbicas, de musculação e flexibilidade são alternadas, na mesma aula, por períodos curtos (entre 15 e 20 minutos cada). O trabalho aeróbico é introduzido aos poucos: no início, é preciso ganhar massa muscular e óssea para poder realizá-lo. É feito em equipamentos como esteira, bicicleta ergométrica ou aparelhos elípticos (como o "transfer"), que reproduzem os movimentos da caminhada sem o impacto da pisada.

Opções de atividades
Caminhada ou bicicleta ergométrica, com acompanhamento de treinador capacitado e em contato com o médico
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LOMBALGIAS

A lombalgia não é uma doença, mas um sintoma: é a dor na região inferior da coluna, que pode ter como causa de desvios posturais a hérnias de disco. Dependendo da causa da lombalgia, pode ser necessária a intervenção cirúrgica. A atividade física proporciona um equilíbrio musculoesquelético que diminui a pressão sobre a coluna lombar. "É preciso criar uma força que possibilite distribuir o peso do tronco e da cabeça e reagir à ação de gravidade sem sobrecarregar a parte de baixo do corpo", diz o fisioterapeuta Marcelo Semiatzh. Segundo Flavia Lèbre, fisioterapeuta e osteopata do Centro de Pilates da Reebok Sports Club, fortalecer os músculos estabilizadores da coluna é a melhor forma de garantir esse equilíbrio postural.

Pilates

Precauções
As causas das dores na região lombar devem ser investigadas previamente, para que o programa de exercícios seja montado de acordo com as necessidades e limitações de cada pessoa e para verificar se há ou não indicação cirúrgica

Modo de usar
Os iniciantes devem optar pelas aulas de pilates em estúdio, com aparelhos e orientação de profissional capacitado, preferencialmente com formação em fisioterapia. Os exercícios trabalham vários grupos musculares ao mesmo tempo, com poucas repetições de cada movimento. São enfatizadas a concentração e a respiração correta durante a execução dos exercícios, a consciência corporal e a contração da musculatura abdominal

Opções de atividades
Alongamentos; reeducação da marcha ou do movimento (técnicas orientadas para reorganizar o alinhamento ósseo e distribuir a força muscular em situações dinâmicas, ou seja, na execução de diferentes movimentos)
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FIBROMIALGIA

A fibromialgia é uma desordem ainda pouco compreendida, que causa dor muscular e fadiga. Mas é justamente o cansaço moderado e a estimulação muscular proporcionados por exercícios que ajudam a controlar o distúrbio. "Medicamentos podem ou não ser indicados, mas não há melhora terapêutica sem a prática de atividade física", diz José Carlos Szajubok, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia. De acordo com o médico, uma das funções do exercício é melhorar a qualidade do sono, fundamental para o controle da fibromialgia. Atividades na água possibilitam a tonificação dos músculos sem excesso de carga, permitindo maior controle da dor. O meio também tem efeito relaxante, benéfico para um distúrbio associado a fatores emocionais.

Hidroginástica

Precauções
A intensidade deve ser programada para que o cansaço não se aproxime da exaustão. O horário para praticar a atividade deve ser programado de acordo com a reação individual à atividade: após o período de adaptação, a prática não deve causar sonolência excessiva durante o dia

Modo de usar
Os exercícios de fortalecimento devem trabalhar os diferentes grupos musculares, em séries seguidas, até o corpo sentir um certo cansaço. A temperatura da água deve ser morna, para promover sensação de conforto e, nos intervalos de repouso, auxiliar no relaxamento muscular e diminuir a sensação de dor

Opções de atividades
Musculação com carga baixa, aulas de danças rítmicas ou de salão
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HIPERTENSÃO

O aumento contínuo da pressão danifica as artérias e traz riscos de problemas como infarto e derrame. Segundo Cesar Jardim, do HCor, a doença afeta 60% da população acima de 65 anos. Entre os fatores de risco, estão hereditariedade, envelhecimento e hábitos de vida. No tratamento, remédios podem ser necessários, mas mudar a alimentação (especialmente controlar a ingestão de sal) e praticar exercícios é fundamental. "As atividades aeróbicos e de força têm efeito direto sobre a normalização da pressão, e esse benefício pode ser estender por até 24 horas", diz o cardiologista José Lazzoli, presidente da SBME (Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte). O controle do estresse, que também tem efeito direto sobre a pressão arterial, é outro fator fundamental.

Caminhada ou corrida + exercícios isotônicos + ioga

Precauções
A atividade só deve ser iniciada após a realização de todos os exames pedidos pelo médico e com sua autorização. A pressão arterial deve ser monitorada constantemente

Modo de usar
Sedentários devem começar com um programa de fortalecimento muscular com exercícios isotônicos (contração e relaxamento dos músculos alternadas ritmicamente) três meses antes de iniciar o programa de caminhada. No início, o trabalho aeróbico (corrida ou caminhada) é intervalado, com breves aumentos de intensidade seguidos de repouso. Conforme melhorar a capacidade de recuperação (tempo necessário para normalizar a frequência cardíaca), o exercício aeróbico passa a ser contínuo (entre 30 e 40 minutos). Na ioga, a ênfase são os exercícios respiratórios e de focalização (manter a concentração em determinado "objeto", como uma imagem visualizada mentalmente). Essas práticas levam a um estado meditativo, que reduz o estresse, relaxa os músculos periféricos, desacelera os batimentos cardíacos e diminui a pressão arterial. A atividade aeróbica e a musculação são feitas em dias alternados. A técnica de relaxamento é praticada diariamente

Opções de atividades
Natação, que combina o trabalho aeróbico com um bom fortalecimento muscular, bicicleta estacionária (para facilitar o controle da frequência cardíaca), relaxamento progressivo (técnica em que os vários grupos musculares são tensionados e relaxados sequencialmente)
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OSTEOPENIA

Uma atividade como a dança flamenca, que busca o impacto, contribui para manter e aumentar a massa óssea em casos de osteopenia. "Quando a perda [de massa óssea] ainda é pequena, o impacto de bater o pé no chão ajuda a aumentar a densidade óssea. Porém, na osteoporose, com o maior risco de fraturas, esse tipo de atividade pode ser contraindicado", diz Betty Gervitz, fisioterapeuta e professora de dança. Nesses casos, indica-se a musculação: "Exercícios de resistência muscular, especialmente com sobrecarga, são eficientes para quadros de osteoporose, pois a força muscular exercida sobre os ossos estimula a produção de massa óssea", afirma Cristiane Alexandre, educadora física e gerente técnica da academia Reebok Sports Club, de São Paulo.

Dança flamenca ou musculação

Precauções
A dança flamenca só é indicada em casos de osteopenia (quando a massa óssea é de 10% a 25% menor do que a considerada normal) ou osteoporose em estágios muito iniciais. Quando a osteoporose já está instalada, aumenta o risco de fraturas provocada pelo impacto da atividade nos ossos fragilizados

Modo de usar
A prática de dança deve ser muito bem orientada, respeitando os limites individuais. Se surgirem sintomas como dores nas articulações dos pés, joelhos ou quadris, o médico deve ser consultado para avaliar a continuidade ou não da atividade. A musculação pode ser feita em aparelhos ou com pesos livres -nesse caso, é preciso ter controle postural e orientação adequada, já que a realização incorreta e a carga excessiva podem gerar lesões nos músculos e articulações

Opções de atividades
Caminhada ao ar livre (que combina produção de impacto com exposição à luz solar, importante para ajudar a fixar cálcio nos ossos)