domingo, 14 de junho de 2009

Emoções que afetam a saúde

Sentimentos como medo, dúvida ou até mágoa podem desencadear sintomas físicos por todo o corpo. É a chamada somatização, uma área que a medicina tem investigado a fundo

POR STELLA GALVÃO
FOTOS FABIO MANGABEIRA

Revista VivaSaúde

Não é fácil identificar, à primeira vista, uma vítima de somatização.

O transtorno, embora se apresente sob a forma de queixas clínicas variadas, raramente é identificado por sua natureza vinculada às emoções, portanto com forte componente psiquiátrico.

Não foi diferente com a paciente atendida por um dos profissionais ouvidos nesta reportagem, cujo caso é contado a seguir. Vera, 55 anos, viúva, dois filhos, comerciante, apresenta asma brônquica de difícil controle há 15 anos.

O problema começou dois dias após a morte do marido. Ela tem crises de palpitação, se queixa de dores pelo corpo (coluna, pernas, joelhos) que teriam começado há nove anos e também sofre de fraqueza nas pernas.

Conforme o relato clínico de Vera, ela é ansiosa desde jovem, com episódios de dor no peito, queimação nos braços e pescoço.

Tem medos (de sair de casa, de tomar metrô). Queixa-se de insônia, mas diz ter "pesadelos horríveis".

Sofre com dores de cabeça recorrentes há anos. Antes da asma teria desenvolvido rinite de fundo alérgico.

Esse é o fichário clínico de Vera, com o relato dos males físicos. Agora, entra o âmbito das emoções e seu impacto sobre a vida cotidiana. Ela conta que, na infância, assistia o pai espancar a sua mãe.

Quando ela tinha seis anos de idade, o irmão, então com 21 anos, tentou suicidar-se, ato seguido de várias internações psiquiátricas. Ela por vezes sentia-se "nervosa" e então quebrava objetos e se mordia. Tinha receio de aglomerações

Depois de casada, fez um aborto aos 25 anos e outro aos 27 anos. Um ano depois soube que o marido "tinha um caso com uma vizinha".

As relações sexuais passaram a ser desagradáveis, sem o menor indício de prazer. Ficou viúva aos 39 anos e avalia que seus sintomas pioraram desde então. Recebeu os diagnósticos de transtorno somatoforme e transtorno de ansiedade.

Participa do grupo de psicoterapia há dois anos e atualmente é medicada com um antidepressivo e um ansiolítico. Apresenta melhora dos sintomas somáticos, permitindo a gradual diminuição da medicação

O que é somatizar?

O conceito foi proposto inicialmente pelo médico austríaco Wilhelm Steckel em 1921, vinculado às teorias psicodinâmicas.

Somatização, atualmente, tem diversas conotações, dependendo em que contexto é usado, como explica José Atilio Bombana, psiquiatra, psicanalistaprofessor do curso de Psicossomática no Instituto Sedes Sapientiae.

"O ser humano é psicossomático por constituição, ou seja, há uma interação profunda entre fatores orgânicos e psíquicos e, portanto, em tese pode-se considerar toda doença psicossomática."

Porém o uso corrente na literatura médica defi- ne somatização como a tendência para vivenciar distúrbios e sintomas que não encontram explicação patológica em exames clínicos e laboratoriais.

Esses sintomas são atribuídos a doenças físicas e o somatizador, vamos chamá-lo assim, procura ajuda médica para tratá-las.

É o que Steckel batizou de "fala dos órgãos", sinais físicos com forte componente psíquico.

Na versão para o inglês, o termo alemão foi traduzido como somatization, palavra criada a partir do radical grego soma, corpo.

Somatização, segundo a psicóloga Marilda Novaes Lipp, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto e diretora do Centro Psicológico de Controle do Stress, em São Paulo, é um termo genérico que significa a representação física de uma dor emocional.

Essa dor pode ser gerada por conflito, medo, dúvida, ciúmes, inveja, luto ou até mágoa, mas sempre com repercussões no corpo.

E transtorno somatoforme é o seu equivalente no Código Internacional de Doenças (CID 10).

Principais reclamações

Os dez problemas físicos mais relatados pelos somatizadores são: dor no peito, fadiga, tontura, dor de cabeça, inchaço, dor nas costas, falta de ar, insônia, dor abdominal e torpor.

Marilda explica que esse processo se inicia quando negamos à mente o direito de sentir e se expressar.

É quando a angústia "quebra" a resistência corpórea e aparece no órgão alvo. Órgão alvo ou órgão de choque, ela esclarece, é aquela parte de cada um que apresenta alguma vulnerabilidade, genética ou adquirida.

Assim, pessoas de famílias com histórico de hipertensão, quando estão passando por um conflito prolongado, um estresse intenso, podem vir a desenvolver problemas na área cardiovascular, enquanto indivíduos com passado familiar de câncer tendem a desenvolver um tumor sob forte pressão reprimida.

"Às vezes a vulnerabilidade não é hereditária, mas foi adquirida devido a um acidente, como no caso de uma pessoa que, anos após ter sofrido uma fratura, desenvolve dores no local quando está em situações de forte estresse", diz Marilda, que também é professora titular da PUC-Campinas.

Você está com medo da crise econômica?

As repercussões da crise, cujos efeitos se fazem sentir sob a forma de tensão e estresse, podem se refletir diretamente na saúde ou na perda dela. Somatizar a tormenta que afeta o bolso de boa parte da população é um risco potencial.

A psicóloga Marilda Lipp constatou um aumento de cerca de 20% na procura por atendimento clínico dentro das empresas. "quando o estresse se torna excessivo ou muito prolongado, seus efeitos resultam em cansaço, desânimo, dificuldade de concentração e várias doenças.

Pode ocorrer inicialmente azia, má digestão, queda de cabelo, disfunção na pressão, entre outros distúrbios." de acordo com Marilda, são quatro os pilares para o controle do estresse.

O primeiro é uma alimentação rica em verduras, legumes e frutas.

O segundo é promover o interesse em atividades físicas. O terceiro pilar é o relaxamento.

Ela dá uma dica prática para criar um ambiente tranquilo. "como a cor verde acalma, pode-se implantar uma área com plantas para as pessoas olharem."

O último e mais importante pilar é o autoconhecimento, conforme a psicóloga, que ensina que cada um é responsável por sua vida, seu bem-estar e a qualidade de suas relações afetivas.

Como se manifesta

Desde os primórdios dos estudos dessa vertente (que considera o psíquico atrelado ao biológico na manifestação de doenças), sabe-se que algumas patologias têm mesmo um componente fortemente somático.

É o caso de asma, úlceras, fibromialgia, gastrites, alergias e herpes, principalmente, além da chamada síndrome do intestino irritável, quadros dermatológicos como a psoríase, asma brônquica, hipertensão arterial e muitos outros.

As situações que mais deflagram respostas somáticas são as de estresse decorrente de um luto ou de uma separação conjugal, vida profissional altamente insatisfatória e quadros depressivos.

As explicações para a vinculação entre o estado psicológico e o rebaixamento das defesas do organismo baseiam-se nas alterações orgânicas que as situações de estresse provocam como a maior produção do hormônio cortisona, que levaria à destruição das células de defesa do organismo, como alguns tipos de linfócitos.

As principais queixas dos somatizadores são: dor no peito, fadiga, tontura, dor de cabeça, inchaço, dor nas costas , falta de ar, insônia, dor abdominal e torpor

O perfil de risco

Do ponto de vista psíquico, os somatizadores têm sido caracterizados por uma carência na elaboração psíquica, por falhas na simbolização e pelo chamado "pensamento operatório" (pobreza da vida de fantasia, da vida imaginativa, do devaneio e uma excessiva ligação com a realidade, onde o sujeito é "concreto", sendo até os seus sonhos, quando existem, repetições da realidade), como descreve o psiquiatra José Atilio Bombana.

Segundo Marilda Lipp, essa é uma questão que vem inquietando os pesquisadores, entre os quais ela própria.

"Tenho anos de pesquisas nessa área e cheguei à conclusão de que existe o que poderia ser designado de 'perfil psicossomático', que seria a pessoa propensa a desenvolver algum problema físico em consequência de emoções não identificadas ou com as quais não sabe lidar.Porém me parece que o órgão atingido vai depender muito mais da vulnerabilidade física de cada indivíduo do que da emoção que gerou a resposta psicossomática."

Há, no entanto, conforme a professora da PUC-Campinas, algo de muito fascinante nos dados de pesquisa, com algumas emoções parecendo se associar mais à somatização. Um exemplo citado por ela é a manifestação de raiva, fortemente associada à retocolite, hipertensão, doença coronariana e psoríase, entre outras (veja outros casos no quadro Dor e sentimento).

De modo geral, o que o paciente com o diagnóstico de transtorno somatoforme demonstra é a sensação de falta de controle sobre o que está acontecendo, ou de estar sendo injustiçado.

Ou ainda demonstra solidão e a percepção de que não consegue lidar com o que está ocorrendo.

O principal elemento parece ser o que se designa de alexitimia, palavra que vem do grego e quer dizer "sem palavras para a emoção".

De acordo com os especialistas, a dificuldade para perceber o que se está sentindo e dar um nome à emoção presente parece ser o elemento mais importante para o desencadeamento da doença psicossomática.


De acordo com os especialistas, a dificuldade para perceber o que se está sentindo e dar um nome à emoção presente parece ser o elemento mais importante para o desencadeamento da doença psicossomática.

Por que as mulheres são as principais vítimas?

As somatizações ocorrem em ambos os sexos, mas as mulheres são mais acometidas e buscam mais frequentemente tratamento.

"Observamos somatizações em todas as idades, mas há uma predominância no Programa de Atendimento e Estudos de Somatização, da Unifesp, de mulheres de meia idade", confirma o psiquiatra José Atilio Bombana, coordenador do programa.

Não se sabe exatamente por que as mulheres somatizam mais. As hipóteses, conforme o médico, incluem questões biológicas (como as hormonais), questões psicológicas e questões culturais.

As mulheres, diz, parecem ter mais abertura para buscar ajuda para seu sofrimento emocional e, portanto, estão mais presentes nos serviços médicos.

É possível somatizar em qualquer faixa etária, muitas crianças o fazem. Mas, como afirma Marilda Lipp, já há dados científicos mostrando que depressão, ansiedade e estresse são mais comuns nas mulheres.

Por outro lado, "nas avaliações de estresse que fazemos com grande número de pessoas dos dois gêneros, temos notado que, muitas vezes, os homens, talvez por não terem muito espaço na sociedade para chorarem e demonstrarem fragilidade, tendem a desenvolver mais sintomas físicos do que as mulheres".


A ciência comprova

Diversos estudos vêm demonstrando que as pessoas que enfrentam situações altamente estressantes com alguma dose de otimismo estão menos propensas a desenvolverem um transtorno psicossomático e, se o fazem, conseguem recuperar-se facilmente.

Dois estudos publicados em 2007, um no Jornal da Associação Médica Americana (Jama) e outro no Archives of Internal Medicine, atestam esse vínculo.

No primeiro deles, realizado com quase 1.000 pacientes na faixa dos 35 a 59 anos, vítimas de infarto com histórico de ansiedade tinham duas vezes mais risco de sofrer um novo evento cardíaco.

No segundo estudo, o psicólogo Sheldon Cohen, da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, realizou uma análise retrospectiva de artigos médicos que relacionavam emoções intensas com falhas do sistema imunológico.

A conclusão foi que o tom fortemente emotivo pode acelerar uma série de males, e isso com dados de real incidência.Há cerca de dois anos, um estudo publicado no Journal of Neuroscience por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que o estresse acumulado potencializa processos inflamatórios que podem culminar na morte de células nervosas (neurônios) em duas regiões específicas do cérebro: o hipocampo, associado à formação da memória, e o córtex frontal, responsável pelo raciocínio complexo.

Dor e sentimento

A pedido de VivaSaúde, a psicóloga marilda Lipp preparou um quadro com as doenças psicossomáticas mais frequentemente associadas a determinadas emoções. entretanto vale enfatizar que essa relação não é absoluta, uma vez que há pessoas que desenvolvem sintomas diferentes ao sentir a mesma emoção. Na dúvida, o melhor é recorrer sempre à ajuda especializada.
sentimento doença frequentemente associada
Raiva Doença coronariana, retocolite ulcerativa
Depressão Psoríase, câncer
Alexitimia (dificuldade de reconhecer as emoções e de nomeá-las) Hipertensão
Mágoa Câncer
Ansiedade Úlcera

para enfrentar o problema, a receita é simples e direta: aceite suas emoções, aprendendo a reconhecê-las e a lidar com elas

Quando se agrava

Em termos de assistência, José Atilio Bombana esclarece que, nos casos mais leves de somatização, os clínicos gerais podem dar conta, contanto que se disponham a ouvir esses pacientes e que fujam do excesso de procedimentos.

"Um clínico experiente e tolerante pode ter um papel importante, no sentido de não facilitar que o seu paciente com alguma tendência à somatização se cronifique, para isso deve conversar mais e fazer menos intervenções comprometedoras (pedidos exagerados de exames, indicações questionáveis de cirurgias etc.)", afirma o psiquiatra.

Já nas situações mais graves, crônicas, habitualmente são equipes multidisciplinares (constituídas por psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e fisioterapeutas) que atendem.

Nos quadros importantes de somatização, alerta Bombana, "observamos pacientes que passam a viver em função das doenças, frequentando continuamente serviços médicos, embora habitualmente não se satisfaçam com as orientações dadas".

Como enfrentar

Para a psicóloga Marilda Lipp, a receita é simples e direta.

"Uma maneira adequada é aceitar suas emoções, aprender a reconhecê-las e a lidar com elas. Nada há de errado em chorar, ou expressar que está triste. É importante 'ouvir' o corpo e perceber quando ele não está mais suportando a carga emocional presente."

No entender do psiquiatra José Atilio Bombana, depende da gravidade do quadro.

Se for um sintoma ocasional e passageiro, não há necessidade de maiores preocupações e nem da busca por um tratamento especializado.

Mas, passam a ser frequentes, ou quando um quadro clínico qualquer se torna crônico, e o paciente passa a buscar ajuda médica repetidamente, então uma abordagem especializada, como a psicanálise ou a terapia cognitivo-comportamental (TCC), se faz necessária.


Teste
Saiba se você tem um perfil psicossomático

responda sim ou não às perguntas e verifique se o seu modo de sentir e agir se assemelha ao de pessoas mais suscetíveis a doenças psicossomáticas. Lembre-se de que o diagnóstico preciso deve ser realizado por um psicólogo.


SIM NÃO
1. À vezes choro sem conseguir entender exatamente o porquê.


2. consigo disfarçar muito bem quando estou com raiva.

3. É fácil para os outros perceberem quando estou feliz.

4. Às vezes me pego sonhando acordado.

5. frequentemente acho difícil colocar nome naquilo que sinto.

6. É bom "fantasiar" um pouco sobre as coisas.

7. gosto de conversas objetivas e diretas.

8. frequentemente fico confuso sobre qual emoção estou sentindo.

9. quando me aborreço, já sei que vou me sentir mal fisicamente.

10. As pessoas que eu amo têm dificuldade de entender como me sinto

11. A raiva é o sentimento mais frequente em minha vida.

12. Acho que é uma perda de tempo ficar indagando o porquê das coisas.

13. quando estou nervoso, sinto o nervosismo no corpo.

14. quase não sonho quando durmo.

Resultado:
A) Some um ponto para cada um dos itens abaixo no qual assinalou sim: 1, 2, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 (Total: )
B) Some um ponto para cada um dos itens abaixo no qual assinalou sim: 3, 4, 5, 6 (Total: )
Agora, calcule A -B = Resultado

Interpretação:
Se o resultado final (no quadrado amarelo) for:

de 0 a 3: Seu perfil não se parece com o de quem sofre de doenças psicossomáticas. Parabéns, você provavelmente é do tipo de pessoa que está em boa sintonia com suas emoções, entende o que se passa dentro de você e se permite sentir uma gama grande de emoções que ocorrem no seu dia-a-dia. de

4 a 7: Você tem algumas indicações de risco para doenças psicossomáticas. A dificuldade de identificar ou nomear as suas emoções pode redundar em algumas manifestações físicas. Aprender a identificar e dar vazão ao que sente pode ajudá-lo a não ter tanto desconforto físico como parece ter frente a problemas que são, na verdade, mais de origem psicológica do que biológica.

mais do que 7: Sua dificuldade de entender o que se passa em seu íntimo, de nomear suas emoções e de admitir o que sente é grande. Seu corpo deve estar mostrando sinais de desgaste diante de tanta emoção reprimida. Vale a pena fazer um trabalho consigo próprio para que possa entender melhor o que sente. recomenda-se procurar ajuda médica.

TESTE ELABORADO PELA PSICÓLOGA MARILDA NOVAES LIPP, DO CENTRO PSICOLÓGICO DE CONTROLE DO STRESS, EM SÃO PAULO.

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