Ciência Hoje On Line
Na Feira Mundial de Nova York de 1964, um garoto de 7 anos se extasiava com a inteligência artificial e os foguetes espaciais que os Estados Unidos lhe prometiam para um futuro próximo. Hoje, 45 anos depois, parte daquele cenário se concretizou, mas a tecnologia continua ditando as cartas das nossas visões de futuro. Nas projeções para as próximas décadas, continuamos a enxergar a conquista interplanetária e uma presença cada vez maior de robôs — e, agora, atribuímos um papel central para a internet, considerada uma ferramenta para a revolução da sociedade. Não é estranho pensar que o futuro de 45 anos atrás é tão semelhante ao de hoje?
Essa reflexão levou o garoto do parágrafo acima — chamado Richard Barbrook — a escrever o livro Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global, que acaba de ser lançado no Brasil e está disponível para download. Instigado pelos motivos que levaram à permanência de elementos da utopia tecnológica por mais de 40 anos no imaginário ocidental, Barbrook — hoje professor da Universidade de Westminster (Inglaterra) — e foi às origens da ferramenta que deu aos Estados Unidos o controle sobre o futuro: a internet.
Nos 15 capítulos que compõem o livro, o cientista social britânico resgata de maneira fluida e instigante eventos históricos, tendências sociais e avanços tecnológicos que culminaram com o advento da internet. A partir da análise desses fatores, o autor busca explicar os interesses por trás da permanência do futuro tecnológico utópico que há décadas pauta nosso imaginário.
Embora de cunho majoritariamente histórico, Futuros imaginários não se prende ao didatismo de livros de história convencionais, pois sua linha de pensamento mais livre torna a análise de Barbrook rica em profundidade e perspectivas. Um conhecimento básico da história mundial recente — principalmente da Guerra Fria — é importante para que o leitor aproveite toda a riqueza de informações que o livro pode oferecer.
Controlar o presente pelo futuro
De acordo com Barbrook, a internet não nasceu de um acaso histórico do desenvolvimento tecnológico, nem foi idealizada originalmente pelos norte-americanos. Surpresos? “Sob o governo de Nikita Khrushchev [entre 1953 e 1964], um grupo de reformistas subiu ao poder na União Soviética e, liderado pelo acadêmico Axel Berg, teve a ideia de usar a cibernética como forma de reavivar os ideais originais da Revolução Russa”, conta o autor à CH On-line, de passagem pelo Rio de Janeiro para lançar seu livro. “Além disso, também viram na rede de computadores uma forma de discutir assuntos que eram tabus no governo de Stálin, como economia, genética, psicologia e sociologia.”
Portanto, assim como os outros artefatos tecnológicos apresentados como futurísticos durante a Guerra Fria, a internet foi criada para fins militares. “Tanto americanos quanto soviéticos queriam criar um sistema de comunicação que sobrevivesse a uma guerra nuclear”, conta o autor. A partir daí, argumenta ele, os Estados Unidos passaram a controlar o futuro — e o presente —, exportando-o para onde sua influência pudesse alcançar.
Um futuro mais humano
Para Barbrook, é importante perceber que, mesmo criada para fins militares, a internet é hoje utilizada de inúmeras formas contrárias ao seu objetivo inicial. São essas múltiplas facetas que impedem que seja conferido à internet um caráter prioritariamente neoliberal — como prenunciava o grande crescimento das empresas “ponto-com” na década de 1990 — ou cibercomunista, com o compartilhamento irrestrito e produção de informações, arquivos e ideias.
Assim, o argumento final de Barbrook em seu livro é que os futuros imaginários nos quais acreditamos há 45 anos precisam ser reformulados, pois se baseiam numa utopia tecnológica. “A internet é uma ferramenta útil, não uma tecnologia redentora”, defende ele. “Damos poder demais à tecnologia, e assim ignoramos que nós mesmos somos seus criadores e podemos intervir no futuro como quisermos.” Para o autor, esse fetichismo tecnológico deve ser combatido.
O futuro para Barbrook, portanto, deve se pautar não pela tecnologia, mas pelos seres humanos. “Só poderemos fazer algo concreto a respeito do futuro quando tomarmos consciência de que ele pode ser diferente do que aquilo que nos é oferecido.”
Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global |
Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
28/04/2009
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